Produção de alimentos é ameaçada por proposta do governo Doria

PL 529 prevê extinção do Itesp. Órgão presta assistência técnica a assentados e quilombola

Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA • Publicado em: 28/08/2020 - 15:23 Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA Publicado em: 28/08/2020 - 15:23

A proposta do governador de São Paulo João Doria (PSDB) de extinguir ou privatizar órgãos e empresas estaduais em nome do ajuste fiscal deverá trazer graves consequências a toda a população. Entre elas, o desabastecimento na produção de alimentos. A agricultura familiar, produtora de 70% de todo o consumo, é praticada no estado principalmente por assentados da reforma agrária e comunidades quilombolas. E estes pequenos produtores, geralmente sem acesso a crédito e tecnologias, dependem totalmente do serviço prestado pela Fundação Instituto de Terras de São Paulo, o Itesp. Não por acaso, o instituto está vinculado à Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania, e não da Agricultura, voltada a políticas para os grandes produtores.

De autoria de Doria e do secretário da Fazenda Henrique Meirelles, o Projeto de Lei (PL) 529, de 13 de agosto, que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa, prevê o fechamento do órgão responsável pela questão fundiária no estado e pela assistência técnica tanto para a produção de alimentos como para o seu escoamento. A ideia do gestor é acabar com uma instituição que começou a ser criada em 1991, depois de um processo de gestação que teve início em 1961. Pela lógica do governo, é extinguir a fundação, demitir quem puder demitir, transferir atribuições tão peculiares para outras secretarias, já sobrecarregadas pela falta de servidores, e incorporar os bens móveis e imóveis, que poderão ser vendidos na sequência.

Resistência

A proposta é tão nefasta para a sociedade e a produção de alimentos que a resistência une servidores, assentados, quilombolas, especialistas, parlamentares dos mais diferentes partidos, professores, estudantes e os movimentos sociais e sindicais. Algumas das inúmeras manifestações em defesa da produção de alimentos, em grande parte virtuais devido à pandemia, podem ser conferidas no final desta reportagem.

Agricultura familiar

“O Itesp é um órgão que tem de ser fortalecido, e não extinto. Promotor de justiça social no campo, oferece assistência técnica e extensão rural, que permitem a assentados, quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais não só produzir alimentos como também preservar o meio ambiente nos quatro cantos do estado”, diz o agricultor Elvio Motta, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil).

Assentado da reforma agrária no Quilombo Anastácia, em Araras, região de Piracicaba, Elvio lembra que o custo anual  do Itesp para o governo paulista é de R$ 60 milhões, o equivalente a apenas 0,03% do repasse para as ações da agricultura. “Mesmo com essa miséria temos feito muito. São muitos os frutos. O conjunto da agricultura familiar paulista comercializou R$ 300 milhões em 2019”, destaca.

Para Elvio, o PL 529 – uma boiada que Doria pretende passar durante a pandemia – “daria inveja ao ministro Ricardo Salles” pelo alcance. Até porque os ataques à agricultura familiar são desferidos também pela tentativa de venda de áreas onde atualmente funcionam unidades da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), as Casas da Agricultura, um dos poucos serviços da Secretaria da Agricultura voltada aos pequenos produtores. O agricultor entende que a intenção de Doria com o decreto extrapola o suposto corte de despesas. A extinção do órgão que vem sendo esvaziado desde os governos de Geraldo Alckmin (PSDB) favorece muitos fazendeiros “de olho” nas terras públicas sem destinação pelo poder públicos – as terras devolutas.

Assentamentos em risco

O Itesp implementa assentamentos de trabalhadores rurais em terras públicas estaduais respaldado na Lei nº 4.957/85, atualizada pela Lei 16.115/2016. Essa lei dispõe sobre os planos públicos de aproveitamento e valorização dos recursos fundiários do estado. Para proporcionar às 7.133 famílias dos 140 assentamentos e às 1.445 das comunidades quilombolas o acesso a meios de produção de alimentos, o órgão oferece infraestrutura. Abre estradas, fura poços artesianos, leva energia elétrica e constrói equipamentos para o apoio à organização das famílias e conservação de solos. E ainda mantém programas que incluem o fornecimento de sementes, mudas, calcário, pequenos animais, medidas de reflorestamento, educação ambiental e acesso ao crédito agrícola estadual e federal, voltados à agricultura familiar.

A maioria dos assentamentos está no Pontal do Paranapanema. A região é palco de grandes conflitos agrários que o Itesp intermediou junto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) na década de 1990. Há ali 31 assentamentos estaduais, 1.631 pessoas assentadas. Assistência técnica e extensão ajudam na produção e na venda da produção.

‘Quem vai assumir o serviço?’

“Sem o Itesp, há o risco de os assentamentos voltarem a ser fazendas. Se a gente sair de cena, o mercado deve voltar a tomar conta aqui. Quem vai assumir o serviço do Itesp? As prefeituras? E os quilombos?”. Foi o que questionou o presidente da Associação dos Funcionários do Itesp (Afitesp), Robson de Oliveira, em debate promovido pela Associação Paulista de Extensão Rural (Apaer) na terça-feira (25). “Doria vive dizendo que é preciso defender os mais humildes, e não as vantagens pessoais. Mas o que está por trás da extinção de órgãos como o Itesp e as casas da agricultura? É apenas o orçamento que ele diz que não vai ter no ano que vem? Extinção de órgãos como esses recai sobre os que mais precisam. É incoerência essa fala do governador”.

O dirigente lembra que o instituto que comprou milhares de cestas dos pequenos produtores para doar a famílias carentes é o mesmo que em 20 anos emitiu mais de 45 mil títulos de terra a pessoas que tinham apenas contrato particular de compra e venda. E que em 20 anos proporcionou economia de R$ 5 bilhões em ações judiciais para o estado. “Por que extinguir a fundação que recebe o equivalente a 0,025 do orçamento mas que participa do PIB estadual com mais de meio bilhão? Governador, isso se chama desserviço à economia. Essa boiada que o senhor quer passar vai estourar na sua mão. Desserviço e deseconomia que vai prejudicar os mais humildes”.

Extinção política

Integrante do conselho de delegados da Afitesp, Fernando Amorim concorda com o agricultor Elvio Motta quanto às segundas intenções de Doria para agradar os ruralistas do estado. Em participação no ato em defesa do patrimônio público, realizado pela deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) na noite desta quarta-feira (26), o servidor do Itesp disse que a justificativa econômica não tem sustentação.

“A fundação tem aproximadamente 600 funcionários, uma defasagem histórica de recursos humanos, que atuam em todo o estado, em assentamentos localizados em áreas de baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), ajudando a dinamizar as economias locais com um orçamento irrisório. A proposta de extinção é política”.

Para Amorim, é uma resposta de Doria aos grandes produtores rurais paulistas que aproveitam o cenário favorável para intensificar seu lobby. “A classe latifundiária, ruralista, nunca aceitou a política de assentamentos rurais do Itesp. E muito menos que o Estado tenha um órgão que trate dessas questões. Além disso, há 100 mil hectares de terras públicas devolutas em disputa apenas no Pontal do Paranapanema, região dominada pelas grandes lavouras de cana”.

Título: Produção de alimentos é ameaçada por proposta do governo Doria, Conteúdo: A proposta do governador de São Paulo João Doria (PSDB) de extinguir ou privatizar órgãos e empresas estaduais em nome do ajuste fiscal deverá trazer graves consequências a toda a população. Entre elas, o desabastecimento na produção de alimentos. A agricultura familiar, produtora de 70% de todo o consumo, é praticada no estado principalmente por assentados da reforma agrária e comunidades quilombolas. E estes pequenos produtores, geralmente sem acesso a crédito e tecnologias, dependem totalmente do serviço prestado pela Fundação Instituto de Terras de São Paulo, o Itesp. Não por acaso, o instituto está vinculado à Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania, e não da Agricultura, voltada a políticas para os grandes produtores. De autoria de Doria e do secretário da Fazenda Henrique Meirelles, o Projeto de Lei (PL) 529, de 13 de agosto, que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa, prevê o fechamento do órgão responsável pela questão fundiária no estado e pela assistência técnica tanto para a produção de alimentos como para o seu escoamento. A ideia do gestor é acabar com uma instituição que começou a ser criada em 1991, depois de um processo de gestação que teve início em 1961. Pela lógica do governo, é extinguir a fundação, demitir quem puder demitir, transferir atribuições tão peculiares para outras secretarias, já sobrecarregadas pela falta de servidores, e incorporar os bens móveis e imóveis, que poderão ser vendidos na sequência. Resistência A proposta é tão nefasta para a sociedade e a produção de alimentos que a resistência une servidores, assentados, quilombolas, especialistas, parlamentares dos mais diferentes partidos, professores, estudantes e os movimentos sociais e sindicais. Algumas das inúmeras manifestações em defesa da produção de alimentos, em grande parte virtuais devido à pandemia, podem ser conferidas no final desta reportagem. Agricultura familiar “O Itesp é um órgão que tem de ser fortalecido, e não extinto. Promotor de justiça social no campo, oferece assistência técnica e extensão rural, que permitem a assentados, quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais não só produzir alimentos como também preservar o meio ambiente nos quatro cantos do estado”, diz o agricultor Elvio Motta, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil). Assentado da reforma agrária no Quilombo Anastácia, em Araras, região de Piracicaba, Elvio lembra que o custo anual  do Itesp para o governo paulista é de R$ 60 milhões, o equivalente a apenas 0,03% do repasse para as ações da agricultura. “Mesmo com essa miséria temos feito muito. São muitos os frutos. O conjunto da agricultura familiar paulista comercializou R$ 300 milhões em 2019”, destaca. Para Elvio, o PL 529 – uma boiada que Doria pretende passar durante a pandemia – “daria inveja ao ministro Ricardo Salles” pelo alcance. Até porque os ataques à agricultura familiar são desferidos também pela tentativa de venda de áreas onde atualmente funcionam unidades da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), as Casas da Agricultura, um dos poucos serviços da Secretaria da Agricultura voltada aos pequenos produtores. O agricultor entende que a intenção de Doria com o decreto extrapola o suposto corte de despesas. A extinção do órgão que vem sendo esvaziado desde os governos de Geraldo Alckmin (PSDB) favorece muitos fazendeiros “de olho” nas terras públicas sem destinação pelo poder públicos – as terras devolutas. Assentamentos em risco O Itesp implementa assentamentos de trabalhadores rurais em terras públicas estaduais respaldado na Lei nº 4.957/85, atualizada pela Lei 16.115/2016. Essa lei dispõe sobre os planos públicos de aproveitamento e valorização dos recursos fundiários do estado. Para proporcionar às 7.133 famílias dos 140 assentamentos e às 1.445 das comunidades quilombolas o acesso a meios de produção de alimentos, o órgão oferece infraestrutura. Abre estradas, fura poços artesianos, leva energia elétrica e constrói equipamentos para o apoio à organização das famílias e conservação de solos. E ainda mantém programas que incluem o fornecimento de sementes, mudas, calcário, pequenos animais, medidas de reflorestamento, educação ambiental e acesso ao crédito agrícola estadual e federal, voltados à agricultura familiar. A maioria dos assentamentos está no Pontal do Paranapanema. A região é palco de grandes conflitos agrários que o Itesp intermediou junto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) na década de 1990. Há ali 31 assentamentos estaduais, 1.631 pessoas assentadas. Assistência técnica e extensão ajudam na produção e na venda da produção. ‘Quem vai assumir o serviço?’ “Sem o Itesp, há o risco de os assentamentos voltarem a ser fazendas. Se a gente sair de cena, o mercado deve voltar a tomar conta aqui. Quem vai assumir o serviço do Itesp? As prefeituras? E os quilombos?”. Foi o que questionou o presidente da Associação dos Funcionários do Itesp (Afitesp), Robson de Oliveira, em debate promovido pela Associação Paulista de Extensão Rural (Apaer) na terça-feira (25). “Doria vive dizendo que é preciso defender os mais humildes, e não as vantagens pessoais. Mas o que está por trás da extinção de órgãos como o Itesp e as casas da agricultura? É apenas o orçamento que ele diz que não vai ter no ano que vem? Extinção de órgãos como esses recai sobre os que mais precisam. É incoerência essa fala do governador”. O dirigente lembra que o instituto que comprou milhares de cestas dos pequenos produtores para doar a famílias carentes é o mesmo que em 20 anos emitiu mais de 45 mil títulos de terra a pessoas que tinham apenas contrato particular de compra e venda. E que em 20 anos proporcionou economia de R$ 5 bilhões em ações judiciais para o estado. “Por que extinguir a fundação que recebe o equivalente a 0,025 do orçamento mas que participa do PIB estadual com mais de meio bilhão? Governador, isso se chama desserviço à economia. Essa boiada que o senhor quer passar vai estourar na sua mão. Desserviço e deseconomia que vai prejudicar os mais humildes”. Extinção política Integrante do conselho de delegados da Afitesp, Fernando Amorim concorda com o agricultor Elvio Motta quanto às segundas intenções de Doria para agradar os ruralistas do estado. Em participação no ato em defesa do patrimônio público, realizado pela deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) na noite desta quarta-feira (26), o servidor do Itesp disse que a justificativa econômica não tem sustentação. “A fundação tem aproximadamente 600 funcionários, uma defasagem histórica de recursos humanos, que atuam em todo o estado, em assentamentos localizados em áreas de baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), ajudando a dinamizar as economias locais com um orçamento irrisório. A proposta de extinção é política”. Para Amorim, é uma resposta de Doria aos grandes produtores rurais paulistas que aproveitam o cenário favorável para intensificar seu lobby. “A classe latifundiária, ruralista, nunca aceitou a política de assentamentos rurais do Itesp. E muito menos que o Estado tenha um órgão que trate dessas questões. Além disso, há 100 mil hectares de terras públicas devolutas em disputa apenas no Pontal do Paranapanema, região dominada pelas grandes lavouras de cana”.



Informativo CONTRAF-BRASIL

Cadastre-se e receba periodicamente
nossos boletins informativos.