No Maranhão, 80% da floresta amazônica já foi devastada

Segundo o documento, a área já perdeu 76% das florestas original e um quarto da vegetação

Escrito por: Catarina Barbosa - Edição: Rodrigo Durão Coelho • Publicado em: 01/07/2020 - 12:19 • Última modificação: 01/07/2020 - 15:14 Escrito por: Catarina Barbosa - Edição: Rodrigo Durão Coelho Publicado em: 01/07/2020 - 12:19 Última modificação: 01/07/2020 - 15:14

Um artigo publicado na revista Land Use Policy por cientistas de diferentes centros e universidades chama a atenção para um grave problema: a devastação e violência a que estão submetidos os povos originários e populações tradicionais que vivem na porção da Amazônia Brasileira localizada no oeste do estado do Maranhão. Segundo o documento, a área já perdeu 76% das florestas original e um quarto da vegetação florestal remanescente está degradada ou por incêndios criminosos ou pela atividade ilegal da madeira.

No Maranhão está localizada a parte da Amazônia, que historicamente, foi a primeira a ser ocupada, chamada Zona Bragantina, que compreende o oeste do Maranhão e o norte do Estado do Pará. A área integra a chamada de Amazônia Legal, constituída por nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Estado do Maranhão

Para uma das autoras do artigo, a professora Marlúcia Martins, ecóloga e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a devastação é um reflexo da exploração histórica a que a região foi submetida. 

"Essa devastação já tem uma raiz histórica. Ela já é preocupante há muito tempo. A gente tem feito outras publicações, inclusive, colocando a questão do desmatamento, dos remanescentes. O que motivou a publicação foi o fato de que o governo do estado do Maranhão realizou o processo do zoneamento ecológico econômico. Nesse processo, eles vêm usando brechas da lei, alterando restrições com relação às reservas legais", diz Marlúcia Martins. 

A secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos afirmou, por meio de nota que "o Zoneamento Ecológico do Estado (ZEE), aprovou a diminuição da reserva legal para 50 %. Já as áreas desmatadas que não tem a reserva legal de 50% no novo ZEE devem ser recuperadas até 50%."

Mas segundo Martins, o correto seria que 80% das áreas desmatadas fossem recuperadas, uma vez que essa seria uma oportunidade de usar a legislação ambiental para tornar essa restauração possível.

Além da devastação da floresta, a pesquisadora também relaciona o desmatamento também com o déficit hídrico na região e reforça que o Estado deveria, na verdade, ser um parceiro para recuperar as florestas.

"Apesar de estar muito devastada, o potencial de regeneração dela ainda é alto, porque a gente tem poucas floresta, mas a que tem está em blocos grandes e isso é favorável à restauração, além disso, a gente tem no próprio Maranhão – que é o que a gente posta no artigo – , uma área muito grande de vegetação se regenerando: vegetação secundária e propriedades abandonadas." 

O grande impasse, segundo a pesquisadora é que não há lei no Maranhão que proteja essas florestas secundárias, que é como são chamadas as que sobrevivem ao primeiro processo de devastação. 

"Elas podem ser redesmatadas. Por isso estamos com dificuldade de incentivo à restauração, por conta dessa normatização no zoneamento ecológico econômico do estado", diz ela. 

Zoneamento Ecológico e Econômico do Maranhão (ZEE-MA) teve a sua primeira etapa entregue em outubro de 2019. Oficialmente, busca estabelecer uma gestão técnico-científica e política para formular políticas públicas de desenvolvimento socioeconômico e de meio ambiente.

Na prática, Martins explica que o processo funciona com a realização de estudos preliminares, indicativos e depois audiências públicas, fóruns coletivos de discussão (dos quais ela participou), além de universidades, entidades locais, e o Conselho de apoio do Gurupi, do qual ela também é integrante, mas que o processo apresenta pontos controversos.

A floresta que não volta

É importante ressaltar que a vegetação e biodiversidade perdida em um processo de desmatamento não retorna. Quando se fala em recuperação, o que acontece é na verdade, apenas a sobrevivência de uma floresta. 

Não é possível realizar a restauração da floresta porque ela é constituída de forma muito mista, mas é possível permitir que as que sobreviveram a desmatamentos continuem existindo. "Boa parte das espécies consegue se recuperar, e principalmente, a gente pode recuperar a floresta que está a serviço de ecossistemas importantes que precisamos para dar qualidade de vida às pessoas", diz ela. 

Ela reforça que que historicamente a Amazônia começou a ser ocupada pela porção oeste do Maranhão e nordeste do Pará, ou seja, há séculos a região sofre com impactos ambientais. 

Assim, recuperar a floresta é também pensar em uma qualidade de vida mais digna para as pessoas. A proposta dos pesquisadores é que se execute o reflorestamento respeitando quem habita o local, os espaços urbanos, os espaços produtivos rurais, as reservas legais e as APPs (Áreas de Proteção Permanente). Ao se restaurar os ecossistemas, as pessoas terão uma vida melhor.

"A recuperação florestal pode recuperar muitos outros aspectos, sociais, que estão ligados aos benefícios da floresta. Essa é a mensagem central", pontua. 

A miséria fruto do desmatamento

Maranhão é o 11º estado brasileiro com maior população. Segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, são 6 milhões 574 mil 789 pessoas. Em compensação, o município detém o penúltimo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país (0,639) ficando atrás, somente, do Alagoas (0,631). Já a renda média do estado é menor que um salário mínimo, R$ 636.

O IDH é uma unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda. A referência varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de zero, menor é o indicador para os quesitos de saúde, educação e renda. Quanto mais próximo de 1, melhores são as condições para esses quesitos. 

O caso do Maranhão, na análise da pesquisadora é um alerta para toda a Amazônia para que se perceba o que o desmatamento, ou "modelo predatório de ocupação" causa para uma sociedade. 

Dos problemas sociais à morte

O acirramento da violência contra os povos indígenas nos últimos dois anos tem sido denunciado por diversas entidades ligadas aos direitos humanos, sobretudo, o Conselho Indigenista Missionário do Maranhão (CIMI).

Em novembro de 2019, o Guardião da Floresta Paulo Paulino Guajajara foi assassinado dentro da terra indígena (TI) Arariboia. Em 7 de dezembro, foram mortos os caciques Firmino Prexede Guajaja, da aldeia Silvino, na TI Cana Brava; e Raimundo Benício Guajarara, da aldeia Descendência, da TI Lagoa Comprida. Dias depois, em 13 de dezembro, Erisvan Guajajara, de apenas 15 anos, foi encontrado esquartejado na sede do município de Amarante e em março deste ano, o militante indígena Zezico Rodrigues, do povo Guajajara, foi morto no município de Arame, no Maranhão, próximo à aldeia Zutiwa.

Para o coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário do Maranhão, Gil Rodrigues da Silva, o aumento do desmatamento no estado está ligado não só aos assassinatos dos defensores da floresta, mas também às condições miseráveis às quais muitas das pessoas vivem. 

"As pessoas que estão ou foram colocadas em situação de vulnerabilidade acabam fazendo o serviço da linha de frente. São elas que vão para o mato, para dentro das terras indígenas, que transportam as madeiras, que serram, que identificam a madeira. Essa indústria é composta por essas pessoas que foram colocadas nessa condição de vulnerabilidade, que acabam se submetendo a esse tipo de trabalho, de fato, por não ter muitas das vezes outra perspectiva de trabalho formal. Aí lógico que tem a violência, que acaba sendo potencializada por essa situação", diz ele. 

A morte do Guardião da Floresta Paulo Paulino Guajajara, por exemplo, tem como pano de fundo a exploração ilegal de madeira dentro da Terra Indígena Araribóia. Rodrigues afirma que uma vez cooptado pelas das atividades ilegais, os envolvidos contam com a impunidade do Estado e do Judiciário para avançar sobre os territórios. 
 
"Muitas das vezes, eles sabem que é um ato ilegal. Invadem territórios comentem assassinatos. Infelizmente, eles contam com esse governo, que não tem prendido ninguém, não tem colocado mais nenhuma pressão sobre os invasores. É uma realidade difícil de se ver, por exemplo, nos municípios, nas terras indígenas eles têm um IDH muito baixo e infelizmente as pessoas são facilmente aliciadas para esse tipo de trabalho, pelos empresários da indústria criminosa da madeira ilegal, por necessitarem de trabalho", diz ele. 

Rodrigues diz que o processo de violência e desmatamento aumentou desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. "Agora está mais acelerado com esse governo, porque não se tem as operações que se tinha anteriormente. A certeza da impunidade faz com que esse aumento no desmatamento aconteça", diz ele.

 

 

Título: No Maranhão, 80% da floresta amazônica já foi devastada, Conteúdo: Um artigo publicado na revista Land Use Policy por cientistas de diferentes centros e universidades chama a atenção para um grave problema: a devastação e violência a que estão submetidos os povos originários e populações tradicionais que vivem na porção da Amazônia Brasileira localizada no oeste do estado do Maranhão. Segundo o documento, a área já perdeu 76% das florestas original e um quarto da vegetação florestal remanescente está degradada ou por incêndios criminosos ou pela atividade ilegal da madeira. No Maranhão está localizada a parte da Amazônia, que historicamente, foi a primeira a ser ocupada, chamada Zona Bragantina, que compreende o oeste do Maranhão e o norte do Estado do Pará. A área integra a chamada de Amazônia Legal, constituída por nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Estado do Maranhão Para uma das autoras do artigo, a professora Marlúcia Martins, ecóloga e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a devastação é um reflexo da exploração histórica a que a região foi submetida.  Essa devastação já tem uma raiz histórica. Ela já é preocupante há muito tempo. A gente tem feito outras publicações, inclusive, colocando a questão do desmatamento, dos remanescentes. O que motivou a publicação foi o fato de que o governo do estado do Maranhão realizou o processo do zoneamento ecológico econômico. Nesse processo, eles vêm usando brechas da lei, alterando restrições com relação às reservas legais, diz Marlúcia Martins.  A secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos afirmou, por meio de nota que o Zoneamento Ecológico do Estado (ZEE), aprovou a diminuição da reserva legal para 50 %. Já as áreas desmatadas que não tem a reserva legal de 50% no novo ZEE devem ser recuperadas até 50%. Mas segundo Martins, o correto seria que 80% das áreas desmatadas fossem recuperadas, uma vez que essa seria uma oportunidade de usar a legislação ambiental para tornar essa restauração possível. Além da devastação da floresta, a pesquisadora também relaciona o desmatamento também com o déficit hídrico na região e reforça que o Estado deveria, na verdade, ser um parceiro para recuperar as florestas. Apesar de estar muito devastada, o potencial de regeneração dela ainda é alto, porque a gente tem poucas floresta, mas a que tem está em blocos grandes e isso é favorável à restauração, além disso, a gente tem no próprio Maranhão – que é o que a gente posta no artigo – , uma área muito grande de vegetação se regenerando: vegetação secundária e propriedades abandonadas.  O grande impasse, segundo a pesquisadora é que não há lei no Maranhão que proteja essas florestas secundárias, que é como são chamadas as que sobrevivem ao primeiro processo de devastação.  Elas podem ser redesmatadas. Por isso estamos com dificuldade de incentivo à restauração, por conta dessa normatização no zoneamento ecológico econômico do estado, diz ela.  O Zoneamento Ecológico e Econômico do Maranhão (ZEE-MA) teve a sua primeira etapa entregue em outubro de 2019. Oficialmente, busca estabelecer uma gestão técnico-científica e política para formular políticas públicas de desenvolvimento socioeconômico e de meio ambiente. Na prática, Martins explica que o processo funciona com a realização de estudos preliminares, indicativos e depois audiências públicas, fóruns coletivos de discussão (dos quais ela participou), além de universidades, entidades locais, e o Conselho de apoio do Gurupi, do qual ela também é integrante, mas que o processo apresenta pontos controversos. A floresta que não volta É importante ressaltar que a vegetação e biodiversidade perdida em um processo de desmatamento não retorna. Quando se fala em recuperação, o que acontece é na verdade, apenas a sobrevivência de uma floresta.  Não é possível realizar a restauração da floresta porque ela é constituída de forma muito mista, mas é possível permitir que as que sobreviveram a desmatamentos continuem existindo. Boa parte das espécies consegue se recuperar, e principalmente, a gente pode recuperar a floresta que está a serviço de ecossistemas importantes que precisamos para dar qualidade de vida às pessoas, diz ela.  Ela reforça que que historicamente a Amazônia começou a ser ocupada pela porção oeste do Maranhão e nordeste do Pará, ou seja, há séculos a região sofre com impactos ambientais.  Assim, recuperar a floresta é também pensar em uma qualidade de vida mais digna para as pessoas. A proposta dos pesquisadores é que se execute o reflorestamento respeitando quem habita o local, os espaços urbanos, os espaços produtivos rurais, as reservas legais e as APPs (Áreas de Proteção Permanente). Ao se restaurar os ecossistemas, as pessoas terão uma vida melhor. A recuperação florestal pode recuperar muitos outros aspectos, sociais, que estão ligados aos benefícios da floresta. Essa é a mensagem central, pontua.  A miséria fruto do desmatamento O Maranhão é o 11º estado brasileiro com maior população. Segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, são 6 milhões 574 mil 789 pessoas. Em compensação, o município detém o penúltimo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país (0,639) ficando atrás, somente, do Alagoas (0,631). Já a renda média do estado é menor que um salário mínimo, R$ 636. O IDH é uma unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda. A referência varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de zero, menor é o indicador para os quesitos de saúde, educação e renda. Quanto mais próximo de 1, melhores são as condições para esses quesitos.  O caso do Maranhão, na análise da pesquisadora é um alerta para toda a Amazônia para que se perceba o que o desmatamento, ou modelo predatório de ocupação causa para uma sociedade.  Dos problemas sociais à morte O acirramento da violência contra os povos indígenas nos últimos dois anos tem sido denunciado por diversas entidades ligadas aos direitos humanos, sobretudo, o Conselho Indigenista Missionário do Maranhão (CIMI). Em novembro de 2019, o Guardião da Floresta Paulo Paulino Guajajara foi assassinado dentro da terra indígena (TI) Arariboia. Em 7 de dezembro, foram mortos os caciques Firmino Prexede Guajaja, da aldeia Silvino, na TI Cana Brava; e Raimundo Benício Guajarara, da aldeia Descendência, da TI Lagoa Comprida. Dias depois, em 13 de dezembro, Erisvan Guajajara, de apenas 15 anos, foi encontrado esquartejado na sede do município de Amarante e em março deste ano, o militante indígena Zezico Rodrigues, do povo Guajajara, foi morto no município de Arame, no Maranhão, próximo à aldeia Zutiwa. Para o coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário do Maranhão, Gil Rodrigues da Silva, o aumento do desmatamento no estado está ligado não só aos assassinatos dos defensores da floresta, mas também às condições miseráveis às quais muitas das pessoas vivem.  As pessoas que estão ou foram colocadas em situação de vulnerabilidade acabam fazendo o serviço da linha de frente. São elas que vão para o mato, para dentro das terras indígenas, que transportam as madeiras, que serram, que identificam a madeira. Essa indústria é composta por essas pessoas que foram colocadas nessa condição de vulnerabilidade, que acabam se submetendo a esse tipo de trabalho, de fato, por não ter muitas das vezes outra perspectiva de trabalho formal. Aí lógico que tem a violência, que acaba sendo potencializada por essa situação, diz ele.  A morte do Guardião da Floresta Paulo Paulino Guajajara, por exemplo, tem como pano de fundo a exploração ilegal de madeira dentro da Terra Indígena Araribóia. Rodrigues afirma que uma vez cooptado pelas das atividades ilegais, os envolvidos contam com a impunidade do Estado e do Judiciário para avançar sobre os territórios.    Muitas das vezes, eles sabem que é um ato ilegal. Invadem territórios comentem assassinatos. Infelizmente, eles contam com esse governo, que não tem prendido ninguém, não tem colocado mais nenhuma pressão sobre os invasores. É uma realidade difícil de se ver, por exemplo, nos municípios, nas terras indígenas eles têm um IDH muito baixo e infelizmente as pessoas são facilmente aliciadas para esse tipo de trabalho, pelos empresários da indústria criminosa da madeira ilegal, por necessitarem de trabalho, diz ele.  Rodrigues diz que o processo de violência e desmatamento aumentou desde a posse do presidente Jair Bolsonaro. Agora está mais acelerado com esse governo, porque não se tem as operações que se tinha anteriormente. A certeza da impunidade faz com que esse aumento no desmatamento aconteça, diz ele.    



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