STF vira mais um ano sem julgar isenções fiscais dos agrotóxicos

Único a votar, Edson Fachin considera inconstitucionais as isenções de ICMS e IPI

Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA • Publicado em: 05/11/2020 - 11:08 • Última modificação: 05/11/2020 - 11:23 Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA Publicado em: 05/11/2020 - 11:08 Última modificação: 05/11/2020 - 11:23

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai virar mais um ano sem decidir se são constitucionais as isenções de IPI e a redução da base de cálculo do ICMS dos agrotóxicos, como pede o Psol por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, apresentada em 29 de junho de 2016. Único a apresentar o voto, o ministro Edson Fachin, relator da ação, entende que são inconstitucionais. Mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo na terça-feira (3), logo após divulgação da íntegra do voto de Fachin. Com isso o julgamento foi interrompido e ainda não há data para a retomada.

É a segunda vez que o julgamento da isenção aos agrotóxicos é suspenso no STF. Em 19 de fevereiro, quando estava prevista a leitura do voto do relator Fachin, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, adiou a agenda por causa da posse da ministra Cristina Peduzzi como presidenta do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Comida sem agrotóxicos

Em seu voto, Fachin pondera sobre diversos pontos. Entre eles, a falta de relação de causa e efeito entre a desoneração tributária e a redução do preço dos alimentos ao consumidor e, consequentemente, a segurança alimentar. “O consumo de agrotóxicos no Brasil é concentrado em quatro commodities, cujo preço é determinado pelo mercado mundial. Em 2014, a soja representava 49% do uso dos produtos no Brasil; a cana, 10,1%; o milho, 9,5%; e o algodão, 9,1%, o que soma 77,7%”, destaca o ministro em seu voto. Ou seja, grande parte do agrotóxico vai para ração animal, etanol e indústria têxtil.

Outro está relacionado a uma desoneração tributária seletiva, a partir de mercadoria e processo produtivo menos nocivo à saúde e meio ambiente. E a criação de um fluxo de receita que poderia ser direcionado para mitigar os impactos ambientais dos agrotóxicos, como práticas agrícolas mais sustentáveis e promoção de pesquisa e desenvolvimento de alternativas tecnológicas menos nocivas, como ocorre na Dinamarca e na França. “O objetivo da tributação não é apenas fazer com que os poluidores paguem pelos danos causados (princípio do poluidor-pagador), mas também induzir mudanças de comportamento, incentivando o uso de produtos menos nocivos”, aponta Fachin.

A agroecologia é destacada por Fachin como um novo paradigma de desenvolvimento agrícola, “com fortes conexões conceituais com o direito humano à alimentação, como também demonstra resultados para avançar rapidamente no sentido da concretização desse direito humano para muitos grupos vulnerabilizados em vários países”. Ele lembra a Conferência Internacional sobre a Agricultura Orgânica e Segurança Alimentar, organizada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2007, que apontou para a necessidade de substituir a agricultura convencional. O estímulo à agricultura sustentável voltou a ser recomendado em 2010, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

Chantagem do agronegócio

As ponderações de Fachin estão em sintonia com as demandas e argumentos dos movimentos sociais, organizações e instituições que defendem uma agricultura sustentável, com bases agroecológicas, livre de agrotóxicos e transgênicos. E que para comprovar essa viabilidade têm produzidouma série de estudos que desmentem argumentos frágeis e até chantagens do agronegócio, como a falácia do aumento de preços de alimentos com a desoneração.

No início de outubro, pesquisadores da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e do Instituto Ibirapitanga divulgaram estudo mostrando que a desoneração não tera impactos sobre a maior parte da agricultura familiar, que produz mais de 70% dos alimentos. “Boa parte desses produtores não terão impactos nos seus custos, na lucratividade e tampouco mudarão o preço do seu produto agrícola porque não utilizam agrotóxicos”, destacaram em artigo.

Além disso, os autores da pesquisa acreditam que a taxação e um eventual aumento do preço dos agrotóxicos não pode ser considerado uma questão de insegurança alimentar. Pelo contrário, tende a tornar mais atrativos outros métodos de produção agrícola e de controle de pragas sem o uso de agrotóxicos. E, em última instância, uma equiparação entre os preços dos produtos convencionais e os orgânicos ou agroecológicos seria benéfica, aumentando sua demanda.

“Se o objetivo é reduzir os preços dos itens da cesta básica, então por que os governos não concedam benefícios fiscais diretamente aos produtos que a compõem?”, questiona um dos advogados do Psol na ADI 5.553, o professor de Direito Ambiental João Alfredo Telles Melo. Em debate online promovido nesta quarta-feira (4) pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, ele disse que a isenção de IPI e a redução da base de cálculo de ICMS, que chega a ser zerada em alguns estados, beneficia especialmente os grandes produtores de commodities do país, e não os responsáveis por prover a alimentação dos brasileiros.

Agrotóxicos em excesso

Elogiado, o voto de Fachin foi insuficiente para manter os ânimos em relação ao julgamento. Autor do pedido de vista, o ministro Gilmar Mendes e seus familiares têm propriedades rurais no Mato Grosso, onde praticariam a agricultura baseada no uso de transgênicos e agrotóxicos.

A família foi alvo de cinco ações por danos ao meio ambiente movidas pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT). Entre os processos estão o por uso descontrolado de agrotóxicos e plantio irregular de transgênicos junto a nascentes. As primeiras ações, de 2017, são relativas a duas fazendas.

Em agosto, o Tribunal de Justiça do MT negou pedido do Ministério Público estadual, que pretendia obrigar Mendes e seus irmãos a implementarem medidas para mitigar eventuais danos ambientais identificados na Fazenda São Cristóvão, no município de Diamantino.

Segundo o MP-MT, a propriedade de 760 hectares faz divisa com a Área de Proteção Ambiental Estadual Nascentes do Rio Paraguai. No TJ, o Ministério Público citou que há um decreto estadual que prevê a adoção de práticas de uso racional dos recursos naturais e diminuição no uso de agrotóxicos em área de proteção ambiental – o que teria sido sido descumprido por Gilmar e seus irmãos.

Glifosato

Preocupa ainda o fato de o novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, que toma posse hoje (5), para a vaga do ministro Celso de Mello, teria um perfil pró-agrotóxicos. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, ele cassou, em setembro de 2018, quando era vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) uma liminar que suspendia o registro de produtos à base das substâncias glifosato, tiram e abamectina.

A liminar havia sido concedida pela juíza Luciana Raquel Tolentino, da 7ª Vara Federal do Distrito Federal, em atendimento ao Ministério Público Federal (MPF). Os procuradores pediam a reavaliação toxicológica das substâncias, uma vez que estudos mais recentes apontavam um provável aumento em taxas de mortalidade devido ao seu uso.

O então desembargador, que atendeu a Advocacia Geral da União (AGU) e o lobby dos ruralistas, disse que suspender os registros causaria “lesão à ordem pública”, por tirar as substâncias do mercado de maneira “abrupta, sem a análise dos graves impactos que tal medida trará à economia do país e à população em geral”.

Título: STF vira mais um ano sem julgar isenções fiscais dos agrotóxicos, Conteúdo: O Supremo Tribunal Federal (STF) vai virar mais um ano sem decidir se são constitucionais as isenções de IPI e a redução da base de cálculo do ICMS dos agrotóxicos, como pede o Psol por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, apresentada em 29 de junho de 2016. Único a apresentar o voto, o ministro Edson Fachin, relator da ação, entende que são inconstitucionais. Mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo na terça-feira (3), logo após divulgação da íntegra do voto de Fachin. Com isso o julgamento foi interrompido e ainda não há data para a retomada. É a segunda vez que o julgamento da isenção aos agrotóxicos é suspenso no STF. Em 19 de fevereiro, quando estava prevista a leitura do voto do relator Fachin, o então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, adiou a agenda por causa da posse da ministra Cristina Peduzzi como presidenta do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Comida sem agrotóxicos Em seu voto, Fachin pondera sobre diversos pontos. Entre eles, a falta de relação de causa e efeito entre a desoneração tributária e a redução do preço dos alimentos ao consumidor e, consequentemente, a segurança alimentar. “O consumo de agrotóxicos no Brasil é concentrado em quatro commodities, cujo preço é determinado pelo mercado mundial. Em 2014, a soja representava 49% do uso dos produtos no Brasil; a cana, 10,1%; o milho, 9,5%; e o algodão, 9,1%, o que soma 77,7%”, destaca o ministro em seu voto. Ou seja, grande parte do agrotóxico vai para ração animal, etanol e indústria têxtil. Outro está relacionado a uma desoneração tributária seletiva, a partir de mercadoria e processo produtivo menos nocivo à saúde e meio ambiente. E a criação de um fluxo de receita que poderia ser direcionado para mitigar os impactos ambientais dos agrotóxicos, como práticas agrícolas mais sustentáveis e promoção de pesquisa e desenvolvimento de alternativas tecnológicas menos nocivas, como ocorre na Dinamarca e na França. “O objetivo da tributação não é apenas fazer com que os poluidores paguem pelos danos causados (princípio do poluidor-pagador), mas também induzir mudanças de comportamento, incentivando o uso de produtos menos nocivos”, aponta Fachin. A agroecologia é destacada por Fachin como um novo paradigma de desenvolvimento agrícola, “com fortes conexões conceituais com o direito humano à alimentação, como também demonstra resultados para avançar rapidamente no sentido da concretização desse direito humano para muitos grupos vulnerabilizados em vários países”. Ele lembra a Conferência Internacional sobre a Agricultura Orgânica e Segurança Alimentar, organizada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2007, que apontou para a necessidade de substituir a agricultura convencional. O estímulo à agricultura sustentável voltou a ser recomendado em 2010, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Chantagem do agronegócio As ponderações de Fachin estão em sintonia com as demandas e argumentos dos movimentos sociais, organizações e instituições que defendem uma agricultura sustentável, com bases agroecológicas, livre de agrotóxicos e transgênicos. E que para comprovar essa viabilidade têm produzidouma série de estudos que desmentem argumentos frágeis e até chantagens do agronegócio, como a falácia do aumento de preços de alimentos com a desoneração. No início de outubro, pesquisadores da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e do Instituto Ibirapitanga divulgaram estudo mostrando que a desoneração não tera impactos sobre a maior parte da agricultura familiar, que produz mais de 70% dos alimentos. “Boa parte desses produtores não terão impactos nos seus custos, na lucratividade e tampouco mudarão o preço do seu produto agrícola porque não utilizam agrotóxicos”, destacaram em artigo. Além disso, os autores da pesquisa acreditam que a taxação e um eventual aumento do preço dos agrotóxicos não pode ser considerado uma questão de insegurança alimentar. Pelo contrário, tende a tornar mais atrativos outros métodos de produção agrícola e de controle de pragas sem o uso de agrotóxicos. E, em última instância, uma equiparação entre os preços dos produtos convencionais e os orgânicos ou agroecológicos seria benéfica, aumentando sua demanda. “Se o objetivo é reduzir os preços dos itens da cesta básica, então por que os governos não concedam benefícios fiscais diretamente aos produtos que a compõem?”, questiona um dos advogados do Psol na ADI 5.553, o professor de Direito Ambiental João Alfredo Telles Melo. Em debate online promovido nesta quarta-feira (4) pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, ele disse que a isenção de IPI e a redução da base de cálculo de ICMS, que chega a ser zerada em alguns estados, beneficia especialmente os grandes produtores de commodities do país, e não os responsáveis por prover a alimentação dos brasileiros. Agrotóxicos em excesso Elogiado, o voto de Fachin foi insuficiente para manter os ânimos em relação ao julgamento. Autor do pedido de vista, o ministro Gilmar Mendes e seus familiares têm propriedades rurais no Mato Grosso, onde praticariam a agricultura baseada no uso de transgênicos e agrotóxicos. A família foi alvo de cinco ações por danos ao meio ambiente movidas pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT). Entre os processos estão o por uso descontrolado de agrotóxicos e plantio irregular de transgênicos junto a nascentes. As primeiras ações, de 2017, são relativas a duas fazendas. Em agosto, o Tribunal de Justiça do MT negou pedido do Ministério Público estadual, que pretendia obrigar Mendes e seus irmãos a implementarem medidas para mitigar eventuais danos ambientais identificados na Fazenda São Cristóvão, no município de Diamantino. Segundo o MP-MT, a propriedade de 760 hectares faz divisa com a Área de Proteção Ambiental Estadual Nascentes do Rio Paraguai. No TJ, o Ministério Público citou que há um decreto estadual que prevê a adoção de práticas de uso racional dos recursos naturais e diminuição no uso de agrotóxicos em área de proteção ambiental – o que teria sido sido descumprido por Gilmar e seus irmãos. Glifosato Preocupa ainda o fato de o novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques, que toma posse hoje (5), para a vaga do ministro Celso de Mello, teria um perfil pró-agrotóxicos. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, ele cassou, em setembro de 2018, quando era vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) uma liminar que suspendia o registro de produtos à base das substâncias glifosato, tiram e abamectina. A liminar havia sido concedida pela juíza Luciana Raquel Tolentino, da 7ª Vara Federal do Distrito Federal, em atendimento ao Ministério Público Federal (MPF). Os procuradores pediam a reavaliação toxicológica das substâncias, uma vez que estudos mais recentes apontavam um provável aumento em taxas de mortalidade devido ao seu uso. O então desembargador, que atendeu a Advocacia Geral da União (AGU) e o lobby dos ruralistas, disse que suspender os registros causaria “lesão à ordem pública”, por tirar as substâncias do mercado de maneira “abrupta, sem a análise dos graves impactos que tal medida trará à economia do país e à população em geral”.



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