Sem ações do governo e apoio à agricultura familiar, preços de alimentos disparam
Trabalhadores cortam pela metade a compra de produtos básicos como arroz e feijão, enquanto Bolsonaro faz marketing pedindo patriotismo a empresários
Escrito por: Marize Muniz e André Accarini • Publicado em: 10/09/2020 - 12:00 • Última modificação: 10/09/2020 - 12:07 Escrito por: Marize Muniz e André Accarini Publicado em: 10/09/2020 - 12:00 Última modificação: 10/09/2020 - 12:07CONTRAF-BRASIL/CUT
Só nos primeiros oito meses deste ano, o arroz subiu, em média, 30%, e feijão acumula alta de 28,92%, segundo o IPCA do IBGE, e ficaram caros demais para a maioria da população, em especial os trabalhadores e trabalhadoras mais pobres, que foram obrigados a cortar esses itens básicos, preferência nacional em todas as mesas do país.
É o caso da manicure Lucineide Moura, 52 anos, de São Paulo, casada, dois filhos, que reduziu a quantidade que dos produtos que comprava todos os meses para alimentar a família.
“Antes, a gente comprava três pacotes de 5kg de arroz. Cada um custava R$ 16,00. Hoje, pulou para R$ 24,00. Então, agora, compramos só dois pacotes. Cortei o feijão, o café, o açúcar e procuro sempre o que é mais barato”, diz a trabalhadora, que não faz ideia do porque desses aumentos absurdos nem o que pode ser feito para conter a disparada dos preços.
O vilão da alta dos preços é o modelo de produção do agronegócio, a monocultura, que prioriza produtos para a exportação como soja, café, açúcar, trigo e carne, mesmo não sendo os mais consumidos pela população, explica o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Junior.
“Pelo conjunto dos alimentos que consumimos a nossa diversidade de produção deveria ser muito maior, mas o agronegócio é voltado somente para poucas culturas”, diz.
E nesse pequeno universo de produtos, com dólar alto, hoje na casa dos R$ 5,30, o agronegócio vê mais vantagem, leia-se mais lucro, em vender a produção para outros mercados, desabastecendo o mercado nacional.
O diretor técnico do Dieese também responde a outro questionamento que os trabalhadores fazem quando a compra do básico para a família compromete seus orçamentos e torna a sobrevivência ainda mais complicada: tem como baixar? E a resposta é simples: bastaria o país ter um presidente que adotasse políticas públicas, como manter estoques reguladores para abastecer o mercado interno. “Além de inter-relações com parceiros como a Argentina para a produção de grãos de clima temperado, caso do arroz e do trigo”, pontua Fausto.
“Mas tudo isso são ações estruturais que Bolsonaro não acredita e inclusive implode”, afirma.
Outro caminho é o fortalecimento da Agricultura Familiar no Brasil, responsável por cerca de 70% do que vai à mesa dos brasileiros. O que o agronegócio não produz é a agricultura familiar quem dá conta.
Um exemplo é o feijão, alimento que faz parte da cultura brasileira e que vem perdendo espaço na produção nacional. Pequenos produtores cultivam o grão, mas se o setor encolhe, não tem investimentos para produção, como desde o golpe de 2016, que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, o mercado interno também fica escasso para o produto, assim como de vários outros.
“O setor é pouco valorizado no Brasil. Precisa de mais apoio e um olhar com muitos cuidados”, diz o diretor técnico do Dieese.
Com certeza, a solução para resolver o problema não é o que Jair Bolsonaro (ex-PSL) vem fazendo, indo às redes sociais ou aparecendo na imprensa pedindo para os empresários manterem preços baixos, o que para ele significa um ato de patriotismo.
Queda no poder de compra
Fausto explica ainda que o consumo interno foi prejudicado pela redução do poder de compra dos brasileiros desde o início da pandemia. Segundo ele, este é outro fator que eleva os preços, ou seja, com menos gente comprando, os preços também ficam mais altos.
A explosão dos preços coincide com o período mais crítico da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), quando milhares de trabalhadores e trabalhadoras, em especial os mais pobres, foram demitidos ou tiveram a renda reduzida por causa das medidas para conter a expansão do vírus como o isolamento social. No caso dos informais que dependem das ruas para vender seus produtos, a renda foi zerada.
A manicure Lucineide e seu marido, que é pintor de paredes, tiveram uma redução enorme na renda familiar. Ela ficou sem trabalhar durante 4 meses sem renda alguma. Ele foi para casa com metade do salário. Ambos voltaram a trabalhar, mas tanto o salário quanto a oficina mecânica continuam vazios, e com o aumento dos preços os cortes na compra de alimentos continuaram, sem prazo para terminar.
Lucineide conseguiu receber o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional de R$ 600, o que ajudou um pouco, mas agora, depois que Bolsonaro decidiu ampliar o pagamento do auxilio até dezembro, mas reduziu o valor para R$ 300,00, ela vai comprar cada vez menos porque enquanto a renda continua em queda, os preços aumentam sem parar, diz.
“Depois da pandemia, tive 80% de redução no que eu ganhava. Agora a água aumentou, a luz aumentou, o preço do gás é um absurdo e a gente vai no mercado e vê esses preços altos. Quem aguenta?”, questiona.
Eu avisei
Marcos Rochinski, Coordenador-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Contraf-Brasil), lembra que desde o início da pandemia, as entidades que representam os trabalhadores na agricultura familiar já alertavam para a alta nos preços nos alimentos.
“Já dizíamos ao governo que era necessário investir na produção e alimentos, que se não tivéssemos credito emergencial e comercialização para os agricultores familiares teríamos alta de preços, porque a partir do momento que não se estimula a produção, essas pessoas se desestimulam ou produzem apenas o necessário para o seu consumo e o que tem certeza de que vai comercializar”.