Para coordenadora da Fetraf, é preciso ampliar a formação sindical e a articulação com movimentos do campo
Escrito por: Fetraf • Publicado em: 09/08/2013 - 19:44 Escrito por: Fetraf Publicado em: 09/08/2013 - 19:44
Primeira coordenadora da Federação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf), a baiana Elisângela Araújo, deixa o cargo após oito anos de luta. Entre os dias 13 e 15 de agosto, a Fetraf escolherá a direção que comandará a entidade até 2017 e definirá as prioridades para o próximo mandato.
Em entrevista ao Portal da CUT, Elisângela destaca que o investimento na formação dos trabalhadores rurais e na articulação com outros movimentos do campo é prioridade para enfrentar a concentração de terras no país.
Segundo dados do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2,8% das propriedades rurais são latifúndios e ocupam 56,7% de extensão territorial para produção agrícola. Em contrapartida, as pequenas propriedades representam 62,2% e ocupam somente 7,9% da área total brasileira.
Em entrevista abaixo, ela fala sobre políticas públicas e ressalta que a produção de alimento saudável e de qualidade depende de mais incentivos para baratear o acesso por parte do consumidor.
Qual o balanço que você faz da atuação da Fetraf nos últimos oitos anos?
Elisângela Araújo –A Fetraf nasceu com o objetivo de fortalecer a representação dos anseios do agricultor familiar e acho que atingiu esse objetivo. Hoje estamos presentes em 18 estados, com mais de 600 sindicatos, que atingem cerca de mil municípios. E mesmo nos lugares onde não estamos presentes, o agricultor familiar conhece e reconhece nossa luta. Nascemos para fazer a defesa da categoria e conseguimos nesses anos contribuir para a formulação de muitas políticas públicas, seja fazendo a pressão, seja na colaboração para o conteúdo e o formato de iniciativas como o Programa Nacional de Habitação Rural o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura familiar para a merenda escolar.
O que você espera do Congresso da Fetraf?
Elisângela –Estamos trabalhando em três eixos principais. O primeiro, a afirmação do processo de organização sindical. Precisamos ainda responder algumas fragilidades e consolidar nossa luta nas regiões e em âmbito nacional. Para isso, temos que sair desse encontro com um grande plano para formação política, qualificando nossos agricultores. O segundo é estabelecer um amplo processo, com muita articulação, sintonia e unidade em todo o país por nossas bandeiras. Devemos avançar muito mais e esse congresso deve afirmar isso de maneira muito forte. A terceira é o relacionamento da Fetraf com o conjunto dos movimentos sociais nesse país. Os grandes desafios para agricultura camponesa não serão vencidos se lutarmos sozinhos. Não será somente um instrumento que fará esse enfrentamento e precisamos de uma luta conjunta para atuar na política institucional, pressionando os governos a adotarem a agricultura familiar como prioridade para ter um país sem miséria, com soberania alimentar.
As políticas públicas são satisfatórias?
Elisângela –Nós avançamos nos últimos 10 anos do ponto de vista do reconhecimento que o setor tem hoje pelo governo e pela própria sociedade, do entendimento da importância da agricultura familiar para a alimentação no país, mas temos muitos desafios. Como a reforma agrária, que ainda não conseguimos fazer para descentralizar a concentração fundiária. Também não conseguimos expandir como é necessário o processo de regulamentar e ter acesso a políticas públicas por parte de quem já foi assentado, de maneira que possa produzir com qualidade e ter condições de sobreviver.
O grande gargalo é a falta de investimento para ampliar a produção e garantir a comercialização dos produtos?
Elisângela – Esse é o grande desafio. Apesar de existir uma Lei Geral de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) e da expectativa de criar uma agência no governo federal que vai executar e coordenar a política de assistência técnica, a distância entre a necessidade dos agricultores e o que temos na prática em relação à pesquisa e à qualificação dos produtores é imensa. E isso é muito importante para aumentar a produção. Há ainda o desafio da legislação agrária, que regulamenta a produção, porque tanto a grande empresa quanto o agricultor familiar são tratados da mesma forma.
A discussão sobre desenvolvimento sustentável ganhou bastante espaço nos últimos anos, principalmente por conta da Rio+20 e do Código Florestal. Há incentivo para esse modelo de produção no país?
Elisângela –Não o suficiente ainda e isso é um problema a ser vencido para baratear a produção do alimento saudável e fazer com que não fique restrito a somente quem tem maior poder aquisitivo. Como não há incentivo, a produção sem agrotóxicos, que tem custo maior, resulta também em preço maior. Se tivermos essa questão como prioridade, agregaremos valor à produção familiar e trataremos da manutenção do trabalhador no campo. Se não há renda, o agricultor não tem como ficar. Se falta energia, água, tecnologia de acesso à internet e renda para sobreviver, ele acaba deixando seu espaço e temos cidades mais inchadas, com todos os problemas que isso causa. Apostar na agricultura familiar é fundamental para um país que escolhe como principal luta o combate à miséria. Investir na agricultura familiar é investir em quem produz para gerar alimento para a mesa dos brasileiros e não commodities. É um desafio de todos e também da nossa central sindical sustentar essa luta.