MP de Bolsonaro facilita regulação de terras públicas para o agronegócio
Representantes da agricultura familiar estão na luta para barrar que Medida Provisória seja regulamentada pelo Congresso
Escrito por: Érica Aragão / CUT Nacional • Publicado em: 23/03/2020 - 11:13 • Última modificação: 23/03/2020 - 11:24 Escrito por: Érica Aragão / CUT Nacional Publicado em: 23/03/2020 - 11:13 Última modificação: 23/03/2020 - 11:24Divulgação MP 910 entrega terras públicas para o grande latifúndio
Entidades que representam os agricultores familiares desmentem a afirmação do governo de Jair Bolsonaro de que a Medida Provisória (MP) 910/2019, que estabelece novas regras para legalizar terras ocupadas, é um instrumento que simplifica, torna mais ágil o processo de regularização fundiária no Brasil e que beneficia milhares de agricultores familiares e produtores rurais.
As novas regras vão, sim, facilitar e simplificar a regularização de terras públicas, mas os principais beneficiários serão o agronegócio, os latifundiários e os grileiros [pessoas que falsificaram documentos para tomar posse de terras ilegalmente] e não os agricultores familiares como vendem o governo, denunciam representantes das entidades de agricultores familiares.
“A regularização fundiária proposta beneficiará pessoas jurídicas, proprietários de mais de uma área e os médios e grandes proprietários de terras”, afirmou o secretário de Política Agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), Elias D’Angelo Borges.
Para o coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil), Marcos Rochinski, essa medida provisória, que altera a Lei 11.952 de 2009 e estabelece novos critérios para a regularização fundiária de terras da União e do Incra, é de grande interesse do agronegócio e do grande latifúndio.
“No nosso entendimento o objetivo central da medida é para que Bolsonaro atenda uma intimidação, pague uma dívida com a bancada ruralista e com os defensores das grandes propriedades, do agronegócio e da grilagem de terras, porque não existe outra explicação”, afirma.
“Vão dar terra de bandeja para aqueles que tenham condições de continuar fazendo o processo de ocupações ilegais de terras públicas e principalmente de criar novas fronteiras agrícolas sobretudo no território da Amazônia”, afirmou.
Dentre as principais mudanças que a MP 910/2019, editada por Jair Bolsonaro no dia 10 de dezembro do ano passado trouxe, que são criticadas pelos representantes da agricultura familiar, e que sinalizam que os beneficiários não serão os pequenos produtores, são a alteração da limitação da regularização de até quatro módulos fiscais para 15, a liberação de terras para quem já é proprietário de imóvel rural, a ampliação da regularização para pessoas jurídicas, a alteração para vistoria remota e a oficialização da autodeclaração.
Além de mudar também o marco temporal, alterando o limite da data das ocupações, de até julho de 2008 para até maio de 2014, a medida amplia o espaço territorial que a medida poderá alcançar, que até então era somente na região da Amazônia legal (61% das terras brasileiras) para todo o país.
“Só a alteração de 4 para 15 módulos fiscais [que varia entre 5 e 110 hectares] já mostra que não dialoga muito com o conceito da agricultura familiar, que tem menos condições e estão nas áreas muito pequenas para serem regularizadas”, explica Elias, da Contag.
Ele também explica, que a questão da auto declaração e a vistoria remota demonstram a fragilidade do instrumento declaratório, aumentam os riscos dos agricultores familiares perderem terras e podem piorar as relações no campo, aumentando os conflitos.
“Se a regularização fundiária for realizada através de autodeclaração, sem vistoria, várias famílias terão suas áreas sobrepostas e perderão o direito a regularização. Além disso, sem cuidados acontecerão regularizações de áreas griladas, ou objeto de crime ambiental, crime de trabalho em condições análogas a de escravo e aumentarão as mortes de lideranças e sindicalistas do campo”, afirma Elias.
Rochinski destaca que se esta MP fosse mesmo para beneficiar os agricultores familiares iria distribuir as terras numa perspectiva de um novo processo de desenvolvimento com uma ampla reforma agrária e não é isso que pode acontecer com a medida, muito pelo contrário.
Segundo ele, a MP concentra terra ainda mais e prejudica também o meio ambiente, o que os agricultores familiares tanto protegem.
“Esta MP concentra e estimula que setores que historicamente fizeram uso da terra ilegalmente voltem a ter processos, inclusive até mesmo para aqueles que a gente chama de grilagem de terras. Além disso, os quilombolas e indígenas não serão beneficiados porque esta medida incentiva a ocupação ilegal de terras por pessoas e empresas que visam a especulação, aumentando o desmatamento e degradação ambiental’, destacou Rochinski.
A MP, do relator senador Irajá Abeu (PSD-TO), já recebeu 542 emendas e somente 21 foram acolhidas, mas nenhuma das propostas dos representantes dos agricultores familiares foi aceita. Se a medida não for votada no Congresso Nacional até 19 de maio, ela vai deixar de existir.
Votação remota
Apesar de o Congresso Nacional ter adotado o trabalho remoto por corta da pandemia do coronavírus, a Comissão Mista especial que tratar do tema que colocar a MP entre as pautas que podem ser votadas remotamente nos próximos dias.
Luta para barrar MP
Mesmo sendo possível que a prioridade do governo nesta crise de saúde pública, com a pandemia do coronavírus, não seja esta pauta, os trabalhadores e trabalhadoras rurais, tanto representantes da Contag como da Contraf-Brasil, têm trabalhado em duas frentes.
Além de batalhar para que os líderes dos partidos façam destaques com propostas apresentadas pelas entidades, eles têm também dialogado com bancadas de deputados e senadores juntamente com outras organizações representativas e movimentos sociais para barrar a tramitação da MP no Congresso Nacional.
As entidades que representam os trabalhadores e as trabalhadoras rurais entendem que a regularização de áreas públicas deve ser dialogada em conjunto com a sociedade, em especial com aqueles que mais carecem dessa política, como os agricultores e agricultoras familiares, quilombolas e comunidades tradicionais com a atenção as especificidades de cada um e não via Medida Provisória.
“Medidas Provisórias devem ou podem ser emitidas desde que elas tenham urgência sobre um determinado fato ou uma determinada conjuntura com relevância significativa, o que não é este caso. Primeiro porque não tem urgência de mexer na estrutura fundiária e segundo qual é a relevância do ponto de vista da sociedade você estender limites de propriedades atendendo apenas um seguimento?”, questiona Rochinski.
E Elias ressalta: “Quando o governo trata do tema através de Medida Provisória fragiliza toda a política e exclui aqueles que mais carecem da regularização. Sem falar ainda, no aumento dos conflitos no campo, que tanto massacra e aterroriza os trabalhadores e trabalhadoras rurais”.