Conselheiros do Consea comentam resultados do Censo Agropecuário 2017
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, no último dia 26, os resultados prévios do Censo Agropecuário de 2017.
Escrito por: Edição: Francicarlos Diniz / Fonte: Ascom/Consea • Publicado em: 06/08/2018 - 14:30 • Última modificação: 06/08/2018 - 14:40 Escrito por: Edição: Francicarlos Diniz / Fonte: Ascom/Consea Publicado em: 06/08/2018 - 14:30 Última modificação: 06/08/2018 - 14:40Patrícia Costa Feira da agricultura familiar
Os indicadores definitivos do Censo serão divulgados em julho do próximo ano. A última edição da pesquisa foi realizada em 2006.
Representantes de agricultores familiares e camponeses e produtores da agroecologia com assento no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), os conselheiros Anderson Amaro, Eduardo Amaral (Cazuza), Marcos Rochinski e Sandra Marli comentaram os resultados preliminares do Censo Agropecuário e sua relação com a segurança alimentar e nutricional.
Participação feminina
Para Sandra Marli, que representa o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) no Consea, a equidade de gênero no campo ainda é um grande desafio para as mulheres, mesmo com o aumento na última década [segundo o Censo Agropecuário 2017, o percentual foi de 12,7%, em 2006, para 18,6%, em 2017. São 4,1 milhões de homens conduzindo propriedades rurais contra 945 mil mulheres].
“É gritante a invisibilidade do papel da mulher camponesa. São as mulheres que sustentam a produção agroecológica e que garantem a segurança alimentar e nutricional dos brasileiros”, afirma ela. “A monocultura reduz o espaço de atuação das mulheres, empurrando-as para dentro de casa“, completa.
O conselheiro Anderson Amaro, representante da Via Campesina no Consea, afirma que é preciso reconhecer o protagonismo feminino na agricultura familiar e camponesa. “No Nordeste, a participação das mulheres na produção rural é ainda mais significativa”, ressalta ele.
Agrotóxicos
Aumentou em 20,4% o número de produtores rurais que utilizam agrotóxicos na lavoura, diz o Censo Agropecuário de 2017. Em números absolutos, o número de estabelecimentos que usam este tipo de substâncias saltou de 1,39 milhões em 2006 para 1,68 milhões em 2017. Já o número de produtores rurais que disseram não empregar agrotóxicos caiu de 3,62 milhões, em 2006, para 3,2 milhões em 2017.
Para Marcos Rochinski, conselheiro do Consea e representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (Fetraf), o aumento do uso de agrotóxicos no campo é uma realidade que já vinha sendo observada há muito tempo e poderá avançar ainda mais caso o Congresso Nacional aprove o Projeto de Lei 6299/2002, que pretende flexibilizar a legislação sobre a liberação e utilização de agrotóxicos no país.
Representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o conselheiro Eduardo Amaral afirma que o aumento do uso de agrotóxicos na lavoura reforça ainda mais a urgência da implantação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA).
Concentração de terra
O Censo Agropecuário 2017 revelou que, nos últimos 11 anos, os grandes produtores rurais, que detinham 45% das terras de estabelecimentos agropecuários em 2006, elevaram sua fatia para 47,5%.
As propriedades com até 10 hectares de terra, diz o IBGE, representam metade dos estabelecimentos no país, mas utilizam uma área de apenas 2,2% do território produtivo. Em 2006, elas ocupavam 2,7% do total.
A conselheira Sandra Marli diz que que a concentração de terra nas mãos dos grandes agricultores acabará com a diversidade de produção de alimentos no campo, comprometendo a segurança alimentar e nutricional de camponeses, indígenas, quilombolas e faxinalenses, entre outros povos. “O agronegócios só quer produzir commodities. Estamos virando um gigantesco silo dos Estados Unidos”, lamenta.
“A reconcentração fundiária vem na contramão da urgente reforma agrária que o país tanto reclama e vai de encontro à diversificação da produção de alimentos. Na década de 80 a variedade de grãos era enorme, hoje praticamente só estamos produzindo oito tipos de grãos, com destaque para o milho e a soja”, afirma o conselheiro Anderson Amaro.
Para Marcos Rochinski, o aumento da concentração de terra verificado na pesquisa é um dado bastante preocupante, pois aponta para o recrudescimento das desigualdades no campo.
Envelhecimento
Segundo o Censo Agropecuário 2017, pessoas com mais de 60 anos correspondem a mais de 1,7 milhão dos produtores no campo, ou seja, 34,2%. Já os menores de 30 anos não chegam a 280 mil. Eles equivalem a 5,4% dos produtores rurais.
Para Sandra Marli, esse fenômeno resulta da falta de estímulo para manutenção do jovem no campo. “Em muitas regiões, a questão da sucessão é um empecilho. Não há perspectiva de renda para o jovem agricultor, que acaba indo trabalhar na cidade”.
Marcos Rochinski avalia que o envelhecimento do perfil do produtor rural revela que as políticas públicas não têm sido suficientes para a sucessão no campo e questiona: “Quem é que vai garantir a soberania e a segurança alimentar para as próximas gerações?”.
Metodologia da pesquisa
O conselheiro Eduardo Amaral destacou a falta de dados mais completos no Censo Agropecuário 2017 que permitam refletir melhor a realidade da produção extrativista dos povos da Amazônia e do bioma do Cerrado.
Para Marcos Rochinski, o Censo Agropecuário 2017 retirou questões importantes que permitiriam uma melhor avaliação comparativa entre a agricultura familiar e o agronegócio.
Políticas públicas
“Os números do Censo Agropecuário revelam que o estado brasileiro precisa olhar mais a realidade do campo”, pondera a conselheira Sandra Marli. Segundo ela, “é preciso retomar os avanços de políticas públicas que garantam a permanência do trabalhador no campo, como o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar] e o PNHR [Programa Nacional de Habitação Rural].
Para Anderson Amaro, as políticas públicas devem estar voltadas para o fortalecimento da agroecologia. “Estamos na contramão do mundo. Não podemos ficar reféns de uma matriz tecnológica que não prioriza a diversidade na produção de alimentos. A padronização dos alimentos é uma ameaça à segurança alimentar e nutricional da população brasileira”, finalizou o conselheiro.