O QUE VAI ALTERAR NA LEI COM A MP 871 EM VIGOR

12/06/2019 - 11:54

Aprovada pelo Senado, Medida Provisória do INSS aguarda sanção presidencial

Após a aprovação da Medida Provisória 871 nas duas Casas, agora, o projeto seguiu para a sanção presidencial. A Contraf Brasil, por meio da assessoria técnica e dirigente sindical Amadeu Bonato faz análise da medida apontando o que vai alterar na lei e as principais mudanças para a Agricultura Familiar.

Veja abaixo: (Clique Aqui para acessar o material em PDF)

O QUE VAI ALTERAR NA LEI COM A MP 871 EM VIGOR

PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO NA MEDIDA PROVISÓRIA 871

Como todo mundo deve ter acompanhado no dia 03 de junho, o Senado aprovou o Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória 871, que precisa ainda ser sancionada pelo Presidente para oficialmente entrar em vigor.

O Projeto de Lei de Conversão aprovado pelo Congresso mexe nas seguintes questões:

  1. Cria uma Lei específica que trata da Revisão;
  2. Altera a Lei 8.112/1990, que trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União;
  3. Altera a Lei 8.212/1991, que trata do Custeio da Seguridade Social;
  4. Altera a Lei 8.213/1991, que trata dos Benefícios da Previdência Social;
  5. Altera um artigo (art. 20) da Lei 8.742/1993, que é a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS.
  6. Altera a Lei 9.620/1998, que cria carreiras e gratificações no âmbito do poder executivo federal.
  7. Altera a Lei 10.876/2004, que cria a carreira de perícia medida da Previdência Social.
  8. Altera a Lei 11.907/2009, que também trata da carreira de perito médico federal.
  9. Altera a Lei 9.717/1998, que trata dos regimes próprios dos servidores públicos.
  10. Altera a Lei 9.796/1999, que trata da compensação financeira entre o Regime Geral da Previdência Social e os Regimes próprios dos servidores públicos.
  11. Altera a Lei 10.855/2004, que trata da estruturação da carreira dos servidores da Previdência Social.
  12. Altera a Lei 7.783/1989, que trata do direito de greve.
  13. Altera a Lei 11.481/2007, que trata da regularização fundiária em imóveis da União.

A primeira questão a ser observada é a complexidade das mudanças, feitas por Medida Provisória, com prazos para debates bastante curtos no Congresso (o Senado teve, na prática, apenas um dia). Isso serve para se avaliar o que poderá ocorrer de mudanças de fundo nos direitos e regras previdenciárias caso a Reforma aprove a desconstitucionalização.

Embora já tenham sido feitas várias avaliações, apresentamos aqui uma síntese avaliativa, considerando os principais pontos que se referem à agricultura familiar, já articulando com o Ofício de instruções do INSS para sua operacionalização (muito provavelmente, com a publicação da Lei em Diário Oficial, o INSS transforme o Ofício numa Instrução Normativa, incorporando alterações provocadas pelo novo formato jurídico e pelas mudanças que foram aprovadas).

Em anexo a esta análise, seguirão as principais leis que alteram a vida da agricultura familiar, com destaque para os principais pontos (embora seja importante que dirigentes leiam na íntegra).

I – ANÁLISE E REVISÃO DOS BENEFÍCIOS

Segundo o Governo este item é um dos pilares do grande objetivo que é atacar as fraudes do sistema previdenciário. Para tanto, são criados 02 programas:

  1. O Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade (Programa Especial), para analisar processos que apresentem indícios de irregularidade e potencial risco de realização de gastos indevidos. Este programa terá duração até 31 de dezembro de 2020, podendo ser prorrogado até 31 de dezembro de 2022.

Este Programa poderá revisar qualquer benefício, basta que haja suspeita de irregularidade. No entanto, pela lógica do outro pilar deste propósito do governo (retirar os sindicatos rurais do processo de concessão de benefícios), as aposentadorias rurais por idade serão as mais visadas. Segundo dados de março de 2019, são pagas 6.487.532 aposentadorias rurais por idade. Já as pensões por morte na área rural somam 2.364.255 e, também poderão ser objeto de revisão. A justificativa de que o Sindicato emitiu declaração fraudulenta poderá ser um dos motivos para fazer a revisão. E se o Governo parte do princípio de que os sindicatos são criminosos, não haverá trégua enquanto não se localizar os problemas que justifiquem essa afirmação. Meio assim: “estão vendo como a gente tinha razão em proibir os sindicatos de interferir no processo de concessão de benefícios”. Imaginem se este Programa pegar 2% de problemas. Significará o corte de 180 mil benefícios, representando mais de R$ 2,3 bilhões de “economia” por ano.

Outro bloco significativo de benefícios que poderão ser avaliados são os Benefícios da LOAS ou BPC – Benefício de Prestação Continuada que, em março de 2019, representam um total de 4.758.111 benefícios.

Embora a lei determine a análise de benefícios de maior valor, estes não são muitos. Com valor acima de 06 salários mínimos existe um total de 8.064 benefícios pagos.

Esta análise será feita pelos próprios funcionários do INSS, que receberão um “Bônus de Desempenho Institucional por Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade do Monitoramento Operacional de Benefícios (BMOB”. Para cada análise concluída, o funcionário receberá um bônus de 57,50. Vamos dar asas à imaginação: “O que acontecerá se um funcionário analisar 50 processos, pelo que receberá R$ 2.875,00 e não encontrar nenhuma irregularidade? Esse funcionário vai optar por olhar Benefícios de idosos carentes, aposentadorias rurais por idade concedidas com declaração do Sindicato, ou uma aposentadoria por tempo de contribuição com valor de 06 salários mínimos mensais?”

Com toda certeza é uma lógica para cortar direitos dos mais pobres.

  1. Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade (Programa de Revisão, para revisar benefícios que estejam sendo pagos sem que tenham sido realizada a devida perícia médica (basicamente, os auxílios-doença) e todos os demais benefícios por incapacidade e aí destacam as aposentadorias por invalidez (mais de 3 milhões urbanas e quase 500 mil rurais e os BPC para portadores de deficiência (pouco mais de 2.700.000).

Esta revisão será feita por médicos peritos, que receberão um “Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BPMBI” R$ 61,72 por perícia extraordinária realizada.

A notificação do segurado que tiver seu benefício questionado deve ser feito: por meio da agência bancária, por meio eletrônico, por correio com AR – Aviso de Recebimento ou, se não localizado, por meio de Edital.

O prazo para defesa é de 30 dias (para segurados urbanos) e de 60 dias (para segurados rurais). Essa defesa pode ser encaminhada por via eletrônica ou na agência do INSS de domicílio do segurado.

Não havendo a defesa ou sendo ela insuficiente, o benefício será suspenso, havendo ainda um prazo de 30 dias para recurso administrativo.

Com toda certeza, ninguém, em sã consciência, é favorável à fraude, qualquer que seja ela. Mas, quando se quer atacar apenas um aspecto das fraudes, com incentivo financeiro e com aparência de “fanfarra midiática” dos “caçadores de corruptos”, há de se ter o direito de suspeitar das reais intensões e objetivos.

Por que não se ataca as fraudes das sonegações, das dívidas, das isenções de contribuições?

Por que não se ataca as máfias dos escritórios e os criadores de benefícios fantasmas, com investigações permanentes, inclusive pela polícia federal?

Por que não se promove processo sistemático de fiscalização e controle sobre os sindicatos, associações de aposentados para garantir a lisura permanente das ações de apoio aos segurados?

Por que esses programas propostos não podem fazer parte de uma rotina permanente do INSS, com quantidade de funcionários suficiente para isso e com boa remuneração de seu trabalho?  Aliás, a Lei 8.212, no artigo 69, prevê essa rotina de revisão e avaliação. Esse artigo teve modificações, mas não precisava de Medida Provisória para isso.

O Governo preferiu uma ação de “impacto”, aliás, sem sequer apresentar os resultados de proposta similar desenvolvida pelo Governo Temer.

II – A COMPROVAÇÃO DO TEMPO DE ATIVIDADE RURAL

A partir de 01/01/2023, a única forma de comprovar a atividade rural para o segurado especial requerer qualquer benefício previdenciário será o Cadastro no CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais), que precisará ser atualizado a cada ano.

Este cadastro somente poderá ser feito por um órgão público (Prefeitura, INCRA, etc.). Ou seja, os Sindicatos estão fora dessa tarefa.

Não está dito, mas imagina-se que o cadastro seja familiar (e não individual). Quem vai detalhar isso será o Regulamento. Se o Cadastro for individual (lembremos que as informações no CNIS são individuais), e for exigido documento em nome de cada pessoa da família, certamente grande parte das mulheres será penalizada e excluída.

A atualização anual do cadastro deverá ser feita entre 01 de janeiro e 30 de junho do ano seguinte ao que se referem as informações.

Teoricamente, para fazer o cadastro ou a atualização anual, o segurado especial deverá apresentar um dos documentos de que trata o artigo 106 da Lei 2.213 (Contrato de arrendamento, Pagamento do ITR, Bloco de Notas de Produtor Rural ou DAP).

Segundo ofício do INSS, deduz-se que o documento principal para isso será a DAP. Segundo a lei, o documento principal será a comprovação de comercialização via bloco de notas de produtor rural. Qualquer uma dessas exigências poderá ser um fator de exclusão em várias regiões do país onde não existe Bloco de Notas ou onde não haja muito acesso ao Pronaf.

E até 31 de dezembro de 2023, como vai funcionar, sendo que a Lei elimina imediatamente a Declaração do Sindicato, sob o pretexto que essa Declaração dá origem a muitas fraudes.

Obs: Aliás, para o Governo os dois pilares do combate à fraude e à corrupção na Previdência são: o rigoroso processo de revisão e avaliação dos benefícios dos mais pobres e o fim da Declaração dos Sindicatos na área rural.

Acaba a classificação de Documentação Plena e Documentação base de Declaração. O único documento será a AUTODECLARAÇÃO do Segurado Especial, que necessariamente deverá ser RATIFICADA por uma entidade pública credenciada no PNATER – Política Nacional de ATER, ou seja, as EMATERs. Mas, segundo o Ofício do INSS, essa ratificação é algo muito confuso...

Segundo Ofício do INSS, a existência de DAP válida para os anos que o segurado especial está comprovando na autodeclaração, significaria a ratificação da autodeclaração. Se for assim, um agricultor ou agricultora que vai se aposentar esse ano (2019) precisa comprovar exercício de atividade rural deste 2004. Quem tem DAP válida para todo esse tempo? O Ofício dispõe que a DAP pode ser intercalada nesse período desde que não haja perda da qualidade de segurado especial. Para comprovação do tempo total exigido, a DAP válida ou deve ser igual ao período comprovado ou poderá ser intercalada (tipo um ano sim outro não). Se isso não ocorrer, aí servem como provas os demais documentos do artigo 106. E quem não tem nenhum documento (nem DAP, nem Contrato, nem Nota de Produtor), que era o público das Declarações dos Sindicatos? Poderão ficar sem direitos....

Ou seja, se essa lei que elimina a Declaração do Sindicato veio para coibir a enormidade de fraudes que havia na concessão de benefícios rurais, os novos procedimentos teriam que, na teoria e na prática, eliminar as concessões fraudulentas, ou seja, impedir o acesso de muitos.

Para a agricultura familiar a Reforma Previdenciária já está feita. O que vier depois será mero “aperfeiçoamento” das maldades, como o detalhe da obrigatoriedade da contribuição.

Para concluir. Se alguém acha que, com o fim da Declaração Sindical, acabou o papel e a função do sindicalismo nas questões previdenciárias, está muito enganado. Pode-se até dizer que agora sim é que começa a função do sindicato: defender o direito da base que ele representa.

Duas funções centrais:

Uma, durante o período transitório de revisão e avaliação, muitos agricultores e agricultoras que já têm a aposentadoria por idade, a aposentadoria por invalidez ou a pensão por morte serão intimados pelo INSS para comprovação do seu direito. A maioria dessas pessoas não terão outra guarida e apoio que não seja o Sindicato.

Outra, durante o período da Autodeclaração que, para a aposentadoria por idade vai para além de 2023, porque vai ser o documento que vai necessário comprovar os anos anteriores até 2037, as pessoas excluídas não terão outra guarida e apoio que não seja o Sindicato.

Os Sindicatos precisam se preparar para essa nova fase do enfrentamento. Agilidade, competência, assessoria jurídica e, provavelmente, ações de pressão e mobilização, serão necessárias.

O Sindicato deixa de ser o espaço da prestação de serviço para quem associado ou paga e passa a ser o espaço de resistência de uma categoria, a agricultura familiar.

Finalmente, uma questão para ser juridicamente avaliada. Essa lei decorrente da Medida Provisória 871 retira do artigo 106 da Lei 8.213 a Declaração do Sindicato como documento para comprovação da atividade rural dos segurados especiais. E o Ofício do INSS é categórico, no item 1.9:

“A declaração sindical não mais se constitui como documento a ser considerado para fins de reconhecimento da qualidade de segurado especial, mesmo que apresentada em requerimentos efetuados a partir de 18/01/2019. Caso apresente o referido documento, o benefício não deve ser liminarmente indeferido, devendo ser oportunizado prazo para apresentação de prova documental contemporânea”.

Desta forma, está havendo uma definição de caráter retroativo da lei. Até o dia 18/01/2019, a Declaração era um documento que comprova atividade rural para períodos anteriores. A partir de então não é mais.

Legalmente, a determinação deveria ser: somente será aceita a Declaração do Sindicato para comprovar tempo de atividade rural referente a anos anteriores a 2019. Anos de 2019 em diante até 2023 somente a autodeclaração do próprio segurado poderá ser aceita como prova.

Vale a pena comprar essa briga?

 

Amadeu A. Bonato

05 de junho de 2019