Agricultura familiar tem conquistado cada vez mais o protagonismo no espaço nacional como segmento econômico e profissional capaz de produzir alimentos saudáveis, gerando ocupação e riqueza para o país.
Para iniciarmos, registramos em primeiro lugar a ousadia do Departamento rural da CUT, que sob a liderança de companheiros históricos como Altamir Tortelli, e tantos outros guerrilheiros e guerrilheiras se dispuseram a romper com as velhas estruturas visando resgatar o sindicalismo combativo e de luta no campo. O debate do conceito de agricultura familiar se dá junto com esse processo de levante do sindicalismo rural de luta. Antes disto, os agricultores familiares eram tratados como pequenos produtores, produtor rural, trabalhador rural, pequenos agricultores, termos que não permitiam a visibilidade do protagonismo da agricultura familiar.
Com a vitória do Presidente Lula em 2002, a agricultura familiar foi reconhecida e ganhou mais força com a definição clara nos programas e políticas públicas para o setor. A criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e o lançamento de um Plano Safra específico para agricultura familiar são um marco na história desta classe trabalhadora e conquistas importantes alcançadas nesse período. Em 2006 o IBGE realizou um Censo Agropecuário específico e revelou pela primeira vez para todo o país que a agricultura familiar mesmo sendo detentora das menores áreas de terra e com a maior parte dos estabelecimentos rurais situados no Nordeste é responsável pela produção de 70% dos alimentos básicos que vai à mesa do povo brasileiro.
Em 2005, a realização do Encontro Nacional da Agricultura Familiar em Luziânia-GO com a presença de lideranças, trabalhadores e trabalhadoras vindos de todos os cantos do país fundou-se a FETRAF BRASIL sob a liderança de Elisângela Araújo – Agricultora Familiar da região do sisal na Bahia e dirigente da CUT Nacional.
Assim, a agricultura familiar deu mais um passo com o reconhecimento oficial enquanto categoria profissional. Sabemos que até aqui essa luta não foi fácil. Enfrentamos desafios e fizemos a resistências até mesmo nos setores da própria esquerda. Tanto, que se pegarmos um recorte a partir do Ministério do Trabalho o avanço foi quase zero no tocante ao reconhecimento dos agricultores familiares enquanto categoria profissional.
O golpe parlamentar imposto a Presidenta Dilma trouxe mudanças no cenário com o anúncio de grandes cortes no orçamento e o atrofiamento das políticas públicas para o setor. A primeira e mais implacável foi a redução do MDA a condição de secretaria. Por outro lado, o Ministério do Trabalho começou a demonstrar avanços no reconhecimento profissional da categoria. Não sabemos se por influência de novos grupos e centrais que cada vez mais se interessam em disputar a organização dos trabalhadores do campo. Quanto a esses desdobramentos não se sabe ainda no que vai dar. Contudo, o que ficou claro é que agricultura familiar se consolidou como uma realidade na vida nacional.
Já, analisando a disputa dos grupos e centrais sindicais pela organização dos trabalhadores do campo até então hegemônicos pela CUT, deve ser encarado por nós, que historicamente defendemos o princípio cutista da liberdade e autonomia sindical, como muito natural. Sabemos que independente das novas tecnologias digitais disponíveis no mundo a receita não mudou, o trabalhador vai continuar no sindicato que melhor lhe represente e esteja com a base ativa na luta e a partir da realidade dos trabalhadores e trabalhadoras.
Mesmo a agricultura familiar tendo conquistado o protagonismo no espaço nacional, com os reveladores números do censo agropecuário de 2006, muito dos velhos problemas crônicos persistem e continuam no centro da pauta. É o caso da sonhada e necessária reforma agrária. A questão da terra continua sendo central para agricultura familiar. É intolerável que a luta pela terra continue sendo caso de polícia com um nefasto derramamento de sangue para quem trabalha produzindo a maior parte dos alimentos básicos consumidos pela nação. Esse problema precisa ser encarado como uma questão de Estado, uma vez que a produção de alimentos é estratégica para o país. Não há nação soberana sem o domínio da produção de alimentos, afinal de contas as pessoas não vivem sem comer! O povo precisa comer bem, especialmente, do ponto de vista da saúde pública e segurança alimentar.
Outro fator preocupante é o envelhecimento do campo, com o êxodo rural da juventude. Segundo o IBGE entre 1996 e 2006 o número de jovens com até 29 anos que deixaram o campo chegou a três milhões. Entre 2000 e 2010 foram cerca de 2 milhões de pessoas, concentradas especialmente no semiárido brasileiro. Para que agricultura familiar continue sendo protagonista na produção de alimentos saudáveis, precisamos enfrentar agora e já o tema da sucessão rural. Neste sentido, avançar na garantia da continuidade das políticas sociais, a exemplo do direito básico a três refeições diárias, lutar pela inclusão real dos jovens nas políticas públicas e ações mais especificas que atendam a realidade da juventude rural. Se queremos que o jovem permaneça no campo, o rural precisa ser atrativo, precisa ser justo, ser lugar de dignidade. Sabemos que isso não acontece com um passe de mágica. É preciso um conjunto de políticas públicas combinadas para além da questão agrícola, que priorize direitos básico de cidadania, educação, cultura, lazer, acesso às tecnologias digitais, entre outras que tornem o campo um lugar tão digno para se viver quanto qualquer outro lugar.
No tema das políticas agrícolas, temos que avançar na agroecologia. Não podemos imaginar as pessoas produzindo da mesma forma há 50 anos. Os fenômenos do aquecimento global estão na nossa porta, interferindo cada vez mais no nosso clima e vida, por isso que avançar na mudança da matriz tecnológica de produção com a agroecologia se torna cada vez mais fundamental para nós. A partir dessa dinâmica, o ideal é pensar na organização da produção com acesso ao mercado justo, com agregação de valor à produção. Sem cooperativismo é quase impossível se viabilizar uma proposta de comércio justo para agricultura familiar.
A agricultura familiar tem papel central e efetivo na construção do desenvolvimento sustentável, sendo uma robusta alternativa de produção de alimentos ambientalmente saudáveis para a nação brasileira. Para isso, é preciso políticas de Estado que vão além da perfumaria, do compensatório, mas que dê conta da atual realidade desse setor tão desmerecido e ao mesmo tempo tão importante para nação. O Brasil precisa romper o passado e construir no século XXI mais cidadania no campo e deixar, definitivamente no passado, a pecha que enxada não dá camisa a ninguém. Realmente não dá! Já, uma agricultura familiar estruturada com políticas sérias, com matriz de produção agroecológica gera sem dúvida condições reais para transitar a dignidade e cidadania no campo. Cabe a nós, da classe trabalhadora, continuar ousando, lutando, resistindo e organizando os trabalhadores e trabalhadoras para interferir na matriz de desenvolvimento do país. É mexendo na economia que nós mudaremos essa realidade. Avante e firme, sempre, companheiros e companheiras!