No início de novembro, Paulo Guedes, ministro da economia de Bolsonaro, apresentou um Plano com três propostas de emenda constitucional (PECs): a emergencial, que pretende reduzir gastos obrigatórios do governo, a que revisa os fundos públicos e a do pacto federativo, que muda a distribuição de recursos entre União, estados e municípios.
A primeira PEC torna brincadeira de criança a EC 95 (a PEC DA MORTE). A proposta desta nova PEC é impedir concursos públicos, congelar reajustes de salários e a criação de novos cargos, reduzir a jornada de servidores com redução de salários, sucateando ainda mais os serviços públicos. Essa PEC ‘emergencial’ pretende fazer o que a EC 95 não conseguiu: mexer no orçamento da saúde e educação, desvinculando as receitas do Estado voltadas para estas áreas. Some-se a isso a recente mudança do modelo de financiamento do SUS: Hoje há duas variáveis: a população do município estimada pelo IBGE e o número de equipes de saúde da família que o município tem, com a mudança de modelo de financiamento aprovada recentemente, o repasse de recursos do governo federal para os municípios levará em conta o número de pacientes cadastrados nas unidades de saúde. Isso pode acabar com a universalidade do SUS e, considerando que o sistema é subfinanciado, isso pode sobrecarregar os municípios com alta demanda e baixo cadastro. A proposta ‘emergencial’ de Guedes é o suprassumo ultraneoliberal, pois busca diminuir ainda mais o gasto público com despesas sociais, congelando o orçamento e liberando o pagamento de juros para os bancos.
A segunda PEC de Guedes e Bolsonaro visa se apropriar de mais de 200 fundos públicos hoje existentes e o superávit fiscal seria destinado ao pagamento da dívida pública, ou seja, para os cofres do sistema financeiro. Como qualquer política do governo Bolsonaro são os pobres que pagam a conta para que os ricos possam se apropriar dos recursos públicos e acumularem ainda mais.
No pacotaço de Guedes ironicamente chamado de “Mais Brasil” há ainda a PEC do ‘pacto federativo’ que estabelece que os municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria inferior a 10% da receita total serão extintos, incorporados a municípios limítrofes. De acordo com o IBGE há 1.257 municípios nesta condição. Deste modo, a proposta de Guedes pretende penalizar quase 25% dos municípios brasileiros que podem ser literalmente riscados do mapa.
A Confederação Nacional dos Municípios alerta que se essa regra do pacotaço de Guedes fosse adotada para todos os municípios brasileiros, 82% deles ficariam abaixo do limite de 10% de arrecadação própria em relação à receita corrente. A CNM argumenta que os principais indicadores que devem ser considerados não são receita, mas a população e os serviços públicos prestados.
Guedes quer implodir o que restou da Constituição Cidadã acabando com os artigos que estabelecem os fundos de participação e suas cotas de divisão entre União, Estados e Municípios. Na SEÇÃO VI de nossa Constituição, que versa sobre A Repartição das Receitas Tributárias, o artigo 158 garante, além da arrecadação própria dos municípios como ISS, IPTU e ITBI: 50% do imposto sobre a propriedade territorial rural, recolhido pela União; 50% do Imposto sobre a propriedade de veículos (IPVA) e 25% sobre o ICMS, ambos os impostos recolhido pelos estados, além do Fundo de Participação dos Municípios (artigo 159), provenientes do Imposto de Renda e IPI recolhidos pela União e transferidos a estados e municípios.
Caso seja aprovada a PEC do Pacto federativo associada às demais PECs do pacotaço “Mais Brasil” como elas afetarão a vida dos agricultores familiares que compõem a maioria dos habitantes que vivem nos rincões com menos de 5 mil habitantes?
De acordo com o último censo agropecuário brasileiro, 10,1 milhões de pessoas trabalham na agricultura familiar, isso corresponde a 67% de trabalhadores ocupados no setor agropecuário. Há 3,9 milhões de estabelecimentos de agricultura familiar. Pernambuco, Ceará e Acre têm as maiores proporções de área ocupada por este segmento, já os estados do Centro-Oeste e São Paulo, aonde predominam os latifúndios do agronegócio, têm as menores proporções de agricultura familiar. A agricultura familiar gera 107 bilhões de reais por ano, o que equivale a 23% do rendimento de toda a produção agropecuária brasileira. As regiões Sul e Norte, seguidas pela região Nordeste, são responsáveis pela grande parte da produção de alimentos nos estabelecimentos de agricultura familiar. A imensa maioria desses estabelecimentos fica em municípios com menos de 5 mil habitantes.
Se o pacotaço de Guedes for aprovado, enterrando de vez a Constituição de 1988, em Minas Gerais 223 municípios desaparecerão do mapa, em São Paulo 135, em Santa Catarina 104, no Paraná 100. Proporcionalmente a região Sul, com forte presença de agricultura familiar, será a mais afetada. Só no Rio Grande do Sul, que na atualidade tem 497 municípios, 66,8% deles têm receita própria inferior a 10%, ou seja, pelo critério do pacotaço de Guedes 228 municípios gaúchos seriam eliminados.
Hoje nossa Constituição prevê a distribuição dos recursos aos municípios levando em conta o número de habitantes, onde são fixadas faixas populacionais, cabendo a cada uma delas um coeficiente individual. Existe uma cota fixa do Fundo de Participação dos Municípios para cidades com até 10.188 habitantes. Com o pacotaço de Guedes, muitos municípios previstos para a fusão passarão a receber metade dos repasses do FPM. Some-se a este fator a questão da mobilidade: na imensa maioria desses municípios com poucos habitantes não há transporte público municipal/intermunicipal, assim o acesso da população rural aos serviços públicos ficará ainda mais difícil e, certamente, com menos recursos para atender mais gente, os municípios maiores vão precarizar ainda mais os serviços públicos.
A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul como a CNM se posicionaram contra o pacotaço de Guedes que pretende extinguir ¼ dos municípios brasileiros. A FAMURS mostra que no caso do Rio Grande do Sul, a maioria dos municípios gaúchos ameaçados de extinção pela PEC do Pacto Federativo tem IDH alto, similar aos municípios mais desenvolvidos do estado. Para a Federação isso mostra que os recursos são bem gerenciados pelos municípios pequenos.
O critério fiscal de Guedes ignora o fator de IDH e um fato básico de que todo imposto é gerado no município, que a riqueza é gerada nos municípios e que as principais demandas por saúde, educação estão nos municípios. Exatamente por isso os artigos 158 a 162 regulam o repasse da União e estados aos municípios. Além disso, há outras receitas municipais decorrentes de prestação de serviços como iluminação pública, tarifas de fornecimento de água que não estão sendo consideradas no pacotaço de Guedes. Por último, embora esse governo odeie tudo relacionado à cultura, precisamos refletir sobre a cultura de pertencimento e territorialidade. Além das relações de poder tais mudanças, se confirmadas, mexerão com o imaginário das populações afetadas.
Frente a esse pacotaço ultraneoliberal que quer de uma única tacada precarizar o serviço público, usar fundos públicos para pagamento de juros e penalizar 25% dos municípios brasileiros, precisamos unir forças. Prefeitos, vereadores, sindicatos, movimentos sociais precisam dialogar com a população para denunciar e impedir o pacotaço de Guedes que na verdade quer Menos Brasil para os trabalhadores.