Intelectuais entregam manifesto pela Reforma Agrária

20/04/2012 - 00:00

Ação foi feita em solidariedade aos movimento sociais que se unificaram na luta em defesa da reforma agrária

Alguns dos mais importantes estudiosos da questão agrária e do campesinato no país encabeçam o “Manifesto de Intelectuais em Apoio à Declaração das Organizações Sociais do Campo”, encaminhado nesta semana à presidente Dilma Rousseff.  A entrega oficial do documento, com 2.007 assinaturas de professores e pesquisadores de diferentes instituições e de outros profissionais, ocorreu na segunda-feira, dia 16 de abril, durante evento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que contou  com a presença do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho.

No Manifesto, os intelectuais declaram sua solidariedade ao movimento deflagrado no final de fevereiro deste ano por 12 organizações sociais que atuam no campo e que lançaram uma luta unificada para pressionar o governo federal a acelerar a Reforma Agrária e a promover políticas para o desenvolvimento rural com distribuição de renda, entre outros aspectos. Ainda que as mais de 2 mil assinaturas sejam resultado expressivo para cerca de um mês de circulação do documento, o peso do Manifesto está calcado principalmente na excelência dos nomes que o subscrevem, envolvendo alguns dos mais destacados estudiosos sobre questão agrária, campesinato, classes trabalhadoras, movimentos sociais, grupos indígenas, meio ambiente, políticas públicas, entre outros temas. Todos eles e cada um vêm, cada qual a seu modo, contribuindo na busca de soluções para os desafios enfrentados pela sociedade brasileira. Estes pesquisadores, engajados em diferentes temáticas e refletindo distintos matizes teóricos e políticos, concordam em um ponto: a necessidade urgente de implementação de políticas pelo governo federal que aprofundem e ampliem a Reforma Agrária no país. A causa mobiliza antropólogos, sociólogos, economistas, historiadores, agrônomos, filósofos, cientistas políticos, educadores, jornalistas, psicólogos, entre outras especialidades.

A iniciativa do Manifesto partiu de um grupo de professores e pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e rapidamente suscitou apoios e manifestações em praticamente todos os estados do Brasil. 

Leia o manifesto:

MANIFESTO DE INTELECTUAIS EM APOIO À

DECLARAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NO CAMPO

Nós, professores e pesquisadores de diferentes instituições do país, declaramos nosso apoio ao manifesto conjunto lançado por doze organizações sociais que atuam no campo - Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Cáritas Brasileira, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Via Campesina Brasil - e que deflagraram uma luta unificada em defesa da Reforma Agrária, dos direitos territoriais e da produção de alimentos saudáveis, no Seminário Nacional de Organizações Sociais do Campo, realizado nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2012, em Brasília.

Consideramos que, apesar de avanços importantes registrados em políticas – sociais, especialmente - adotadas pelo governo federal nos últimos dez anos, no que tange à questão agrária o essencial ainda está por ser feito.

Entendemos que uma solução definitiva para a questão agrária passa pela democratização da propriedade da terra. O desempenho econômico do chamado agronegócio, em algumas regiões do país, não deve maquiar a existência de precárias condições de vida de amplos segmentos da população tanto na cidade como no campo.  Além disso, há ilegalidades que precisam ser enfrentadas, como a existência de milhões de hectares da União ocupados irregularmente por grandes fazendas, em estados como o Mato Grosso, enquanto milhões de famílias aguardam por um pedaço de terra para plantar. As áreas de concentração de assentamentos rurais em todo o país mostram, por outro lado, que uma distribuição de renda mais efetiva pode ser conquistada em situações com forte presença da agricultura familiar.

Reconhecemos que pôr um fim a séculos de exploração e de desigualdades existentes no país não é tarefa fácil para nenhum governo, mesmo porque muitos avanços relacionados à democratização do uso do solo, da água e proteção dos recursos naturais tropeçam, por vezes, em decisões de um Congresso que, em boa parte, está comprometido com formas (tradicionais ou modernas) de dominação social. No entanto, é preciso que este governo se empenhe fortemente para evitar a produção de novas iniquidades tanto na cidade como no campo.

Importantes medidas foram tomadas – como o limite imposto à estrangeirização das terras no país -, mas há questões prementes que se encontram estancadas, inclusive registrando-se um declínio no processo de desapropriação de terras para a Reforma Agrária e no orçamento destinado a este fim. É preciso uma reação firme e decidida a isso. É preciso que o governo se comprometa a implantar uma Reforma Agrária ampla, massiva e imediata, beneficiando populações rurais e urbanas. 

Uma questão que não pode ser esquecida está relacionada às consequências sociais e ambientais da construção de novas barragens para hidrelétricas. Obras desta natureza não podem ser levadas a efeito sem se considerar seriamente os impactos sociais, ecológicos, econômicos e culturais para as populações atingidas, direta ou indiretamente, por estas drásticas modificações na paisagem e em seu modo de vida. O governo deve ficar atento ainda à atuação das mineradoras que vêm conduzindo um processo de expropriação das populações tradicionais nos locais onde operam, muitas vezes com ameaças veladas (e até mesmo explícitas) às terras indígenas. 

Por fim, enfatizamos que é preciso acabar com a impunidade envolvendo os crimes e as violências praticadas no campo contra trabalhadores, líderes sindicais, ativistas sociais e religiosos – crimes esses que maculam, escandalosamente, a construção da democracia no Brasil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Os assassinatos, as violências, as perseguições e as intimidações praticadas pelo latifúndio, por fazendeiros, empresários, grileiros e por seus agentes (jagunços, pistoleiros e milícias privadas) não podem ter lugar e ficar impunes num país democrático. Outro modo de violência está relacionado às formas degradantes do trabalho, com uma exploração abusiva da mão-de-obra e desrespeito total aos direitos. Em que pesem as manifestações e ações de setores do governo em relação a estas questões, há muito ainda por ser feito para que as violências no meio rural sejam efetivamente punidas e para que os direitos dos trabalhadores, assim como os direitos humanos, passem a ser respeitados.

Pelas razões expostas, unimo-nos ao manifesto lançado pelas doze entidades, que configura uma aliança histórica entre essas organizações que atuam no campo, no sentido de pressionar o governo a acelerar a Reforma Agrária e a promover políticas para o desenvolvimento rural com distribuição de renda, entre outros aspectos.

PROFESSORES E PESQUISADORES QUE SUBSCREVEM O DOCUMENTO:

MOACIR PALMEIRA, professor do PPGAS, Museu Nacional/UFRJ

LEONILDE SÉRVOLO MEDEIROS, professora do CPDA/UFRRJ

JOSÉ SERGIO LEITE LOPES, professor do PPGAS, Museu Nacional/UFRJ

JOHN COMERFORD, professor do PPGAS, Museu Nacional/UFRJ

SERGIO PEREIRA LEITE, professor do CPDA/UFRRJ

MARTA CIOCCARI, pesquisadora do PPGAS, Museu Nacional/UFRJ.