"É seu dotô, a gente não pode ficar na fazenda, não pode ficar na margem, a gente vai ter que virá arubu pra avuá”
Frase de um acampado no sul do Brasil.
Nunca alguém explicou tão bem o que os ruralistas, o agronegócio, e infelizmente a maior parte do judiciário brasileiro imaginam que devam ser os trabalhadores que lutam por acesso à terra.
Ele não escolheu ser uma pomba, um bem te vi, não, disse “arubu”, a ave que vive dos restos, da miséria, nos lixões, longe dos olhos de todos, feia que ninguém quer ver, que ninguém adota como animal de estimação.
É esse sentimento que imanta a decisão do nobre juiz da Vara Agrária do Estado de Minas Gerais, Dr. Fernando Humberto dos Santos.
No dia 28 de março, ele proferiu uma decisão concedendo uma reintegração de posse para a empresa CUTRALE contra acampados na fazenda Vale Azul, região do Prata, plena de preconceitos, eivada de urros de um protetor assumido do agronegócio.
Agronegócio, este, a empresa CUTRALE, que o nobre julgador recebeu no processo, cópias de que degrada o meio ambiente, impõe aos seus trabalhadores condições sub humanas, mente no processo, e ainda assim, o representante do poder judiciário afirma:
”È sabido que os chamados “movimentos sociais” são useiros e vezeiros em desrespeitar as ordens judiciais e os próprios acordos celebrados com outras partes e homologados judicialmente .... Ao contrário do que costumam afirmar as lideranças dos movimentos de “sem terra” latifúndio não é sinônimo de desrespeito à função social da terra, pois que na atual quadra da economia, ao contrário, vem sendo o agronegócio uma das colunas mestras da sustentabilidade política e fator de aumento de renda do brasileiro que pula com mais facilidade das classes E e D para a classe C, segundos pesquisas do IBGE... De outra visada, percebe-se do documento de fls. 35 que, bem organizados e orientados, os Réus (....) – A polícia – temerosa talvez da insegurança que lhes passa seus superiores, temerosos das ameaças da vitimologia tão desagradável e cultuada por MST e outros movimentos... Assim, não se pode admitir, nem mesmo por hipótese, que os ocupantes exerçam quaisquer direitos subjetivos, nem mesmo de criarem formas de pressão sobre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e INCRA, no sentido de viabilização da reforma agrária”
E ele estava falando de 110 famílias que arrancam seu sustento das margens de uma rodovia, que esperam desde 2007, um laudo da área do INCRA, que tentam desesperadamente impedir que a CUTRALE devaste a área, arrancando e enterrando árvores protegidas.
E ele estava falando de trabalhadores rurais de uma região, onde o agronegócio resolve na violência quando se sente acuado, onde tombaram 03 trabalhadores executados a tiro, entre eles, uma mulher liderança local, próxima a essa famílias, que ainda sentem a dor da perda da companheira e da impunidade da justiça.
E ele estava defendendo uma empresa que sequer água potável dava para seus trabalhadores, que os fazia viver em alojamentos sem estrutura sanitária, que dava uma fina espuma para descansarem seus corpos doídos da lida, que tem trabalhar madrugada a dentro, destruindo a vegetação.
E ele estava dizendo que segura a economia nacional um empresa que recentemente sofreu um embargo americano por uso de agrotóxicos, veremos como se comporta esse mercado internacional quando souber do restante...
E ele estava concordando com uma empresa, que na sua petição afirmou que os trabalhadores passam pragas para as lavouras, que negou acesso a água para essa famílias, cheias de crianças e idosos.
Seria cômico se não fosse trágico, essa decisão que degrada o ser humano, que entende que essas pessoas não têm lugar no mundo, porque se ficam em uma propriedade de uma empresa que comprovadamente degrada o meio ambiente e explora seus trabalhadores são pragas, se vão para a margem o DNIT, no olhar do magistrado, justamente, o enxota.
Então, como sabiamente disse o acampado sulista, vão ter virar “arubu”, para sobrevoar lixões, bem longe da vista do magistrado, e comer o resto que ele e sua opulenta classe joga nos seus lixos, vivendo de restos, escondidos dos olhares da sociedade, sem nada exigir, sem lugar, sem direitos, sem lei, sem nada....
Não MM Juiz não somos “arubu”, é gente que somos e como gente vamos lutar e resistir!
Acampamento Magno de Oliveira
“Não realizar a reforma agrária é condenar os filhos da terra à cruz”
Frei Gilvander