Em outros tempos, o 25 de julho seria marcado por festas e comemorações. A data, que celebra o Dia Internacional do Agricultor e Agricultora Familiar, também serve para reforçar a importância da categoria na segurança alimentar mundial e no desenvolvimento rural sustentável. Porém, frente aos retrocessos impostos pelo golpismo, sua relevância tem sido cada vez mais ignorada e avanços conquistados em anos de muita luta estão retrocedendo.
Modelo predominante de produção de alimentos até mesmo em países desenvolvidos, a agricultura familiar é um importante pilar para o segmento a nível mundial. Por tamanha relevância, em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou o setor como principal tema de debates do ano. No Brasil, são eles (pequenos agricultores) os principais responsáveis pelo comida que chega diariamente à mesa das famílias brasileiras, respondendo por 70% do que é consumido.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 4,4 milhões de famílias agricultoras, o que corresponde a 84% dos estabelecimentos agropecuários do país. Conforme a Lei nº 11.326/2006, são considerados agricultores familiares aqueles que praticam atividades no meio rural, possuem área de até quatro módulos fiscais, mão de obra da própria da família e renda vinculada ao próprio estabelecimento e gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento por parentes. Também entram nesta classificação silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária.
Em períodos de governos progressistas, a agricultura familiar era entendida como setor estruturante para o desenvolvimento do país e o pequeno agricultor usufruiu de avanços consideráveis. Dentre eles, destaca-se o aperfeiçoamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Criado em 1995, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar, a política recebeu grandes incentivos para que atendesse o maior número de trabalhadores possível.
O fortalecimento do pequeno agricultor era aliado à execução de programas de inclusão social, como o Bolsa Família e o Pronatec Rural, que contribuíram para que o Brasil fosse retirado do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Hoje, o que se nota é um imensurável retrocesso no que diz respeito às políticas públicas voltadas ao setor. Para se ter uma ideia, uma das primeiras medidas de Temer – ao assumir o poder – foi extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) que, para o coordenador-geral da Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf), Marcos Rochinsky, foi uma perda significativa. “Apesar de que não tínhamos a participação no orçamento como merecíamos, ter um ministério específico, reforçava a importância do nosso segmento ano após ano. Com essa perda, desencadeou uma serie de desmontes do conjunto das políticas públicas que conquistamos ao longo dos anos”, explica.
O orçamento destinado aos produtores familiares, em 2018, foi reduzido em mais de 80% se comparado ao ano anterior. Os dados são de um estudo da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), que aponta ainda outros cortes preocupantes ao setor.
Em relação a programas de desenvolvimento e infraestrutura de assentamentos, os recursos foram reduzidos em 69%. A situação fica ainda mais grave quando se trata do programa para habitação das famílias rurais, que sequer teve estimativa prevista no Orçamento Geral da União deste ano.
“Ao desestruturar um segmento tão importante quanto à agricultura familiar, todo o conjunto social é drasticamente afetado. Há menos alimento saudável para a população, menos economia para os pequenos municípios. Enfim, todos saem perdendo”, avalia Rochinsky.
Agricultura familiar por alimentação saudável
Como se não bastassem a extinção de políticas públicas e a redução orçamentária, tramitam no Congresso Nacional dois Projetos de Lei que tiram a soberania alimentar do país e põem em risco a saúde da população, eixos que regem a luta do agricultor familiar. São eles o PL 4576/2016, que trata da comercialização de produtos orgânicos, e o PL 6299/2002, que versa sobre a liberação do uso indiscriminado de agrotóxicos (conhecida como PL do Veneno).
Os dois projetos evidenciam a direção que o Brasil vem adotando para o desenvolvimento rural no pós-golpe. O modelo que recebe pleno apoio do governo, o agronegócio ― gerido por grandes empresários que compõem a Bancada Ruralista ―, ganha cada vez mais espaço e oportunidades em detrimento do pequeno agricultor, que defende uma agricultura sustentável. Prova disso é a detenção de ¾ das terras cultiváveis no país.
“Esse modelo de produção é antagônico. A bancada ruralista, financiada por grandes empresas, não quer perder mercado. Eles não querem, nas gôndolas dos supermercados, produtos saudáveis e de qualidade para competir com alimentos industrializados”, explica o dirigente.
Por fim, Rochinsky ressalta que é preciso reforçar o papel da agricultura familiar em todos os espaços sociais. Isso, segundo ele, só será possível por meio da valorização do trabalhador e pela relação mais acentuada entre agricultor e população urbana.
“Precisamos ter a capacidade de entender qual o modelo que trará mais benefícios à sociedade. Está sendo criado um movimento de conscientização sobre o tema, mas ainda não é suficiente para atingir a todos, pois há um lob das empresas que não querem perder essa grande fatia do mercado. É preciso aproximar e conscientizar”, finalizou.