A agricultura familiar representa importante fonte de ocupação e renda para a população do Vale do Jequitinhonha. A atividade garante o autoabastecimento de muitas comunidades e municípios, com comercialização em mercados e feiras locais. Projeto de pesquisa realizado pelo Instituto de Ciências Agrárias (ICA) da UFMG busca compreender como a pandemia de Covid-19 afetou as relações entre produtores rurais e o mercado, assim como o acesso da população à água e aos serviços de saúde.
O projeto Efeitos da covid-19 sobre agricultura familiar, alimento e água no Vale do Jequitinhonha mineiro, formulado em conjunto com o Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV) e o Instituto de Trabalhadores e Trabalhadoras do Vale do Jequitinhonha (Itavale), propõe registrar e disseminar informações sobre demandas, entraves e soluções que surgiram em resposta ao isolamento social necessário como medida preventiva à transmissão do novo coronavírus.
De acordo com a professora Flávia Galizoni, do curso de Administração, que coordena a iniciativa, o objetivo é conhecer as soluções comunitárias e municipais no período de crise e agregar sugestões provindas do conhecimento acumulado nas instituições de pesquisa e extensão rural. Serão priorizados três eixos de investigação: acesso a água, alimentos e saúde.
Flávia Galizoni, que é vinculada também ao mestrado em Sociedade, Ambiente e Território, que associa a UFMG e a Unimontes, destaca que a produção de alimentos pela agricultura familiar é crucial para a manutenção da soberania alimentar no Jequitinhonha. “Há um elemento que é a fortaleza da população da região: ela produz alimentos para o autoabastecimento, combinado ao abastecimento dos municípios, pequenos e rurais. Essa população consegue suportar períodos de isolamento por meio de relações em redes de reciprocidade e confiança”, diz a professora, ressalvando que a paralisação das feiras livres e do comércio local pode ter impactado na venda de grande parte da produção, que precisou criar alternativas para suprir a demanda urbana.
Outro motivo de preocupação está relacionado ao acesso aos serviços públicos de saúde pelas famílias. “A saúde é o calcanhar de Aquiles para uma população rural, que é mais envelhecida e precisa se deslocar até os polos regionais. Por isso, queremos investigar como está a atenção primária realizada pelos agentes de saúde, que oferecem suporte importante no primeiro acompanhamento”, explica Flávia Galizoni. O registro do cotidiano do enfrentamento da situação de crise pode, segundo a professora, fornecer elementos para planejar ações coletivas em futuros programas públicos.
Articulação em rede
Há cerca de 21 anos, o Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar do ICA realiza projetos de pesquisa e extensão no Vale do Jequitinhonha. O observatório contribuirá para a ampliação das ações na região e servir também como projeto piloto – sua metodologia poderá ser adotada para análise em outras localidades rurais.
O estudo produzirá boletins semanais com as informações coletadas para compartilhamento gratuito com a população dos 12 municípios contemplados pelo projeto. Em sua primeira fase, foram mapeadas cerca de cem organizações da sociedade civil, do poder público, associações municipais, entre outras, que vão apoiar a coleta, a sistematização e o registro das informações ao longo dos dois anos de vigência do projeto.
“É um projeto de alta capilaridade, que conta com a parceria entre a Universidade, a sociedade civil e o poder público. A intenção é que ele funcione como um projeto piloto, priorizando dados da população rural, na linha de prevenção e controle, analisando intervenções não farmacológicas frente à pandemia”, completou Flávia. No primeiro ano, em razão do isolamento social, levantamento e sistematização de dados serão feitos remotamente. Para a etapa seguinte, estão planejadas saídas a campo para análises mais detalhadas.
O estudo foi contemplado por chamada pública do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que vai apoiar ações que contribuam para o enfrentamento da Covid-19 e suas consequências no país. O projeto de pesquisa foi elaborado pelo Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar do ICA e pelo Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG).
Amanda Lelis / Cedecom Montes Claros