O crime ocorreu no Seringal São Domingos, no município de Lábrea, no Amazonas. A área, de difícil acesso, fica próxima à tríplice fronteira dos estados do Acre, Amazonas e Rondônia, e está situada na região conhecida como Ponta do Abunã. O corpo de uma das lideranças da comunidade, Nemis Machado de Oliveira, de 50 anos, foi resgatado da área pela própria família. Ele foi velado e enterrado (foto acima) nesta segunda-feira, 1º de abril, no município de Acrelândia (AC), distante cerca de 140 quilômetros do Seringal.
Desde o ano de 2016, 140 famílias ocupam o território conhecido como Seringal São Domingos, que, segundo os moradores, pertence à União. A maioria dos ocupantes da área são originários de Acrelândia. A região possui um longo histórico de conflitos agrários que envolve fazendeiros, grileiros e madeireiros.
No sábado, pistoleiros armados invadiram o Seringal, atiraram contra as pessoas, queimaram casas, inclusive a de Nemis. O trabalhador teve parte do corpo queimado. A casa de um vizinho dele também foi incendiada.
Por conta das ameaças de morte recentes e do longo histórico de conflitos que assola a localidade, as famílias, segundo equipe da CPT no Acre, temem denunciar esse crime, inclusive a existência de mais pessoas mortas. O medo tem silenciado diversas outras situações conflituosas na região ou nessa mesma comunidade, como ataques anteriores de jagunços.
Entretanto, no caso do último sábado, os posseiros denunciam a ausência do Estado no local do crime, o que aumenta, assim, a insegurança de quem permanece no Seringal São Domingos após o ataque dos pistoleiros. Há também vários relatos de pessoas desaparecidas que se abrigaram em matas para fugirem dos pistoleiros.
Com objetivo de expulsar as famílias da área ocupada, pistoleiros teriam, inclusive, fotografado os posseiros e os ameaçado: “se vocês não saírem daqui nós vamos voltar”, afirmaram algumas pessoas. “O homem está morto lá dentro, olha. Nós não reagiu (sic), e os cara botaram a arma em cima de nós. Deus estava do nosso lado, mas as armas eram grandes e feias, tá. Nós saímos voados de lá. Eu estou em casa com vida, e agora vou agradecer a Deus pela sorte que me deu”, relatou um posseiro, que não se identificou, logo após o crime.
Massacres
Se forem confirmadas as quatro mortes no Seringal São Domingos, este será o 50° massacre no campo brasileiro registrado pela CPT, e o terceiro massacre em apenas 10 dias. Neste ano, no dia 22 de março, três assentados foram assassinados no Assentamento Salvador Allende, no município de Baião, no Pará. Dois dias depois, a cerca de 14 quilômetros do assentamento, um casal de caseiros e um tratorista foram mortos numa fazenda. Todos as seis mortes teriam ocorrido a mando do grileiro Fernando Ferreira Rosa Filho, conhecido como Fernandinho.
Entre os anos de 1985 e 2019, a CPT registrou 49 massacres no campo com 230 vítimas.
Região conflituosa
A Ponta do Abunã é uma região circundada por grandes empreendimentos, como a Usina Hidrelétrica de Jirau, e por inúmeras riquezas naturais, tais como a Floresta Nacional do Iquiri, a Reserva Extrativista Ituxí, o Parque Nacional Mapinguari, a Floresta Nacional do Bom Futuro, o Parque Estadual de Guajará-Mirim, além de contar com as águas do Rio Madeira e também está próxima à fronteira com a Bolívia.
Ao longo da história, Ponta do Abunã foi palco de inúmeros conflitos agrários envolvendo grileiros de terras, fazendeiros e madeireiros. Um dos casos mais emblemáticos da região ocorreu no dia 27 de maio de 2011, quando Adelino Ramos, conhecido como Dinho, 57 anos, foi assassinado enquanto vendia verduras produzidas no assentamento onde vivia, no município de Vista Alegre do Abunã, em Rondônia. Ele foi morto por um motoqueiro próximo ao carro da família onde estavam sua esposa e as duas filhas.
Líder do Movimento Camponês Corumbiara (MCC) e assentado no Projeto de Assentamento Florestal (PAF) Curuquetê, Dinho sobreviveu ao Massacre de Corumbiara, ocorrido em agosto de 1995, no qual oito pessoas foram assassinadas, e centenas ficaram feridas. Dinho, ameaçado há anos, denunciava a ação de madeireiros na região da fronteira entre os estados de Acre, Amazonas e Rondônia.
Mais informações:
Cristiane Passos (assessoria de comunicação da CPT): 62 4008-6406 / 99307-4305
Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT): 62 99309-6781