O Brasil chega à 16ª Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar (Reaf), que acontece esta semana no Uruguai, com propostas de avanços nas políticas públicas sobre a educação no campo, nos registros nacionais, na Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e na adaptação dos agricultores e produtores familiares às mudanças climáticas. A delegação brasileira é chefiada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, e o objetivo da intervenção do Brasil será aprofundar as possibilidades de participação democrática dentro do bloco regional “para se chegar ao Mercosul que todos esperam: o Mercosul da Cidadania”.
Nesta 16ª edição vários temas relevantes estão sendo discutidos, como a renovação da agenda, com incorporação de novos temas de trabalho; Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER); Desenvolvimento Territorial, Mudanças Climáticas e Gestão de Riscos. Esta edição da REAF está sob a presidência pro tempore uruguaia, e encerra o quarto ciclo dos encontros desde junho de 2004, quando começaram a ser realizados. A cada ano, são realizadas duas reuniões com rotatividade semestral entre os países.
Educação — O ponto principal da pauta brasileira é a recomendação de um modelo educacional para as comunidades rurais, a ser adotado pelos quatro países-membros do Mercado Comum do Sul, que contemple a educação formal e a não formal. Ou seja, tanto a escola situada na área rural, como o conhecimento transmitido por ela, seriam adaptados às fases do ciclo agrícola e às variações do clima. O respeito à tradição, à diversidade e às línguas dos povos originários, tradicionais e indígenas também está inserido no programa, assim como uma proposta para superação do analfabetismo no campo, em especial, entre adultos.
Apesar de políticas públicas de crédito, de seguros, de infraestrutura, de preço mínimo e de estoques serem, tradicionalmente, mais comuns ou visíveis quando se trata de Agricultura Familiar e Mercosul, a reivindicação da educação no campo é uma das mais antigas e estratégicas dos movimentos sociais ligados ao setor. “Sem juventude no campo, não haverá agricultura familiar nem no Brasil, nem no Mercosul”, alerta o chefe da Assessoria para Assuntos Internacionais e de Promoção Comercial do MDA, Francesco Pierri.
Para se evitar a ocorrência do fenômeno da migração, salienta Pierri, é necessário garantir que o meio rural não seja apenas sinônimo de trabalho e de cansaço, mas sim um espaço com infraestrutura e lazer, “onde os saberes dos agricultores possam ser aprendidos no campo sem perder de vista a dimensão da educação universal, e sempre dialogando com a vida econômica e produtiva da agricultura familiar”.
No entender de Francesco Pierri, a proposta da educação rural é imprescindível neste momento porque os quatro países do Mercosul estão pautando o tema da educação, onde a Agricultura Familiar tem um peso muito importante. “Esses países viveram um longo período de um tipo de desenvolvimento onde, além de não se outorgar políticas públicas, também se negava a esses espaços rurais o direito de ter, primeiro, uma educação de base, universal e, segundo, uma educação que pudesse responder, também, aos desafios sobre o tipo de educação ideal no campo”, analisa.
Registros – A implantação dos Registros Nacionais da Agricultura Familiar nos quatro países do Mercosul é outro destaque a ser defendido na reunião pelo Brasil, que considera a medida fundamental para aprofundar as políticas conjuntas e, em seguida, avançar para a fase de reconhecimento, facilitando, assim e de fato, o comércio. A adoção dos registros, criados em 2007 pelo Grupo Mercado Comum (GMC) do Mercosul, é considerada até hoje uma das principais conquistas já obtidas pela Reaf.
“O primeiro passo foi os países terem, juntos, estabelecido os critérios para identificar o público da agricultura familiar na região. O segundo, com base nos critérios comuns acordados, foi os países construírem os registros voluntários nacionais da agricultura familiar — um fato inédito. E o terceiro passo, agora, é a ideia de que esses quatro registros dos países possam se conhecer mutuamente. Não sabemos se essa Reaf conseguirá encaminhar a proposta de resolução do Brasil. Obviamente, trata-se de uma base para futuras políticas públicas, regionais, porque ainda há uma série de problemas que ainda temos de sistematizar, por conta das assimetrias produtivas que afetam a agricultura familiar”, explica Francesco Pierri.
O chefe da Assessoria Internacional do MDA lembra, a propósito, que, nesse processo, o Mercosul é a única região do mundo que já estabeleceu critérios para a agricultura familiar. Segundo Pierri, a União Europeia tem alguns critérios comuns de definição, mas sem a dimensão do Mercosul. “É preciso destacar sempre que, num espaço de apenas sete anos, nós passamos de um cenário em que a agricultura familiar era um termo que ainda estava se afirmando no jargão político, social e econômico-produtivo dos estados da região, para uma fase em que estamos criando registros nacionais”, elogia.
Para Francesco Pierri, o fato de a 16ª Reaf estar sendo pautada, também, pelo tema da ATER e das mudanças climáticas, é um aspecto igualmente relevante e urgente. Segundo ele, não se pode ignorar que os agricultores familiares do Mercosul são atingidos, de forma bastante intensa, por fenômenos relacionados às mudanças do clima, como secas e enchentes, que impactam muito a produção e a renda. “Atualmente, esses agricultores não dispõem de políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas. Aliás, essa é a grande diferença em relação à agricultura patronal, que não precisa mudar de lugar para escapar dessas ocorrências. É preciso fazer uma política de ATER e de pesquisa que forneça soluções de adaptação para que a Agricultura Familiar possa se adaptar às mudanças climáticas”, assinala Pierri.
Por fim, o representante brasileiro destaca a importância das Reaf’s como um dos instrumentos mais eficazes dentro do Mercosul, para que o bloco se transformasse de um organismo regional — que tinha como objetivo inicial, apenas, uma área de livre comércio — para um espaço de participação e inclusão política e social dos produtores da Agricultura Familiar. “A Reaf nasce como uma reunião dedicada a estimular a produção de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar e o comércio dos produtores familiares no Mercosul. Então isso tem alavancado todo um movimento de entrada no Mercosul de classes produtivas sociais, historicamente, esquecidas. Entraram junto com os governos populares progressistas e estão transformando as esferas políticas, nas várias vertentes, como a educação rural”, acrescentou Pierri.
A representação governamental da Seção Brasileira da Reaf é a primeira, este ano, em nível ministerial. Entre as autoridades do MDA presentes estarão o secretário de Desenvolvimento Territorial, Jerônimo Rodrigues Souza; o diretor do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural, Argileu Martins da Silva; e o chefe da Assessoria para Assuntos Internacionais e de Promoção Comercial do MDA, Francesco Pierri.
Está também prevista a participação de entidades representativas da sociedade civil, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco de Babaçu (MIQCB), o Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS) e a União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes). A 16ª Reaf começa nesta segunda-feira (05/12) e prossegue até sexta-feira (09), na cidade de Minas, estado de Lavalleja.
A agricultura familiar no Brasil
A agricultura familiar é hoje responsável por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006 – o mais recente feito no país -, a agricultura familiar é responsável pela produção dos principais alimentos consumidos pela população brasileira: 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38,0% do café, 34% do arroz, 58% do leite, possuíam 59% do plantel de suínos, 50% do plantel de aves, 30% dos bovinos, e produziam 21% do trigo.
No Censo Agropecuário de 2006 foram identificados 4,3 milhões de estabelecimentos de agricultores familiares, o que representa 84,4% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Este segmento produtivo responde por 10% do Produto Interno Bruto (PIB), 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária e 74,4% da ocupação de pessoal no meio rural (12,3 milhões de pessoas).
Pela lei brasileira (11.321/2006) que trata da agricultura familiar, o agricultor familiar está definido como aquele que pratica atividades ou empreendimentos no meio rural, em área de até quatro módulos fiscais, utilizando predominantemente mão-de-obra da própria família em suas atividades econômicas. A lei abrange também silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores.
*Informações MDA/INCRA