A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, quer saber se o programa Sigef-Titulação, recentemente lançado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atende às determinações feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para a correção de uma série de irregularidades na ocupação de áreas na Amazônia Legal.
De acordo com o TCU, a ausência de adequada fiscalização tem acarretado problemas como perda de receitas públicas, desmatamento e grilagem de terras. Nesse sentido, em 1º de abril o Tribunal determinou ao Incra e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a adoção, em até 120 dias, de um conjunto de providências com vistas a sanar essas irregularidades.
No último dia 29, o Incra lançou a Sigef Titulação, uma plataforma digital com a alegada finalidade de agilizar e facilitar o processo de regularização fundiária em todo o país. O procedimento pode ser feito pela Internet – após o requerente preencher dados pessoais e inserir documentos por meio digital, o Incra procederá à análise da documentação para emissão de título definitivo. Segundo o Incra, o objetivo é “garantir rapidez e segurança ao processo de titulação de posses rurais em áreas da União”.
Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a divulgação do programa, com pequeno espaço temporal desde o acórdão do TCU, parece ocorrer em desatenção às medidas determinadas pelo Tribunal. “Ao contrário, o aparente objetivo da plataforma é facilitar a proliferação de requerimentos, independentemente de correção das irregularidades constatadas por aquele tribunal, agravando ainda mais o cenário por ele identificado”, aponta a Procuradoria.
Em ofício encaminhado na terça-feira (5) à ministra do Mapa, Tereza Cristina, e à presidência do Incra, a PFDC questiona a compatibilidade da plataforma com as medidas que devem ser adotadas em atenção às determinações do TCU.
De acordo com informações do site do Incra, o Sigef-Titulação promoverá o cruzamento das informações de áreas georreferenciadas e validadas pelo programa com outros bancos de dados governamentais. Segundo a autarquia, por meio de sensoriamento remoto, será possível identificar a existência de sobreposição a áreas da SPU, do Ministério do Meio ambiente ou da Funai.
“Não há referência, no entanto, quanto à adoção de quaisquer medidas para a solução dos problemas constatados pelo Tribunal de Contas da União na Tomada de Contas especial TC nº 031.961/2017-7, especialmente em relação a fragilidade das bases de dados, a ausência de cruzamentos eficazes e o próprio georreferenciamento no tocante ao Programa Terra Legal na Amazônia Legal”, aponta a Procuradoria dos Direitos do Cidadão.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento terá cinco dias úteis para prestar os esclarecimentos ao órgão do Ministério Público Federal.
Irregularidades identificadas
O acórdão 727 do Tribunal de Contas da União traz uma análise detida a respeito de seis aspectos do Programa Terra Legal. Entre os apontamentos, está a não adoção de providências para a recuperação de mais de R$ 1 bilhão em áreas irregularmente ocupadas. O TCU também chama atenção quanto à ausência de medidas para a retomada de áreas cujos processos foram indeferidos, ressaltando que o conjunto de áreas nessa situação totaliza 887 mil hectares, no valor de mais de R$ 2,4 bilhões.
Ainda segundo o acórdão, 95% das áreas não cumprem as cláusulas resolutivas, em desobediência aos termos do art. 15 da Lei nº 11.952/2019. Observou-se, ainda, que a cláusula resolutiva referente ao pagamento de parcelas tampouco é observada – descumprindo, portanto, sua função social, além da frustração de receitas de cerca de R$ 7 milhões.
No que se refere a titulações irregulares, o TCU aponta que o Programa Terra Legal realizou a titulação de 7.799,4296 ha de terras para 94 detentores que não preenchiam os requisitos da Lei 11.952/2009 – resultando em prejuízo financeiro de mais de R$ 12 milhões. Tal situação é decorrente de declarações incorretas prestadas pelos requerentes do programa no momento de formalização de processo administrativo, sem a verificação dessas informações, além de titulações realizadas mesmo com declarações não compatíveis com as regras estabelecidas.