Ruralista vai a novo julgamento pela morte de trabalhador sem terra

22/08/2016 - 10:30

Mais de 18 anos após o assassinato do trabalhador rural sem terra Sebastião Camargo, o ruralista Marcos Prochet irá, novamente, a júri popular, no próximo dia 25 de agosto.

Ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Marcos Prochet vai a júri popular no próximo dia 25. Essa é a segunda vez que Prochet é julgado – no primeiro julgamento, anulado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, o ruralista foi condenado a mais de 15 anos de prisão.
 
 
Mais de 18 anos após o assassinato do trabalhador rural sem terra Sebastião Camargo, o ruralista Marcos Prochet irá, novamente, a júri popular, no próximo dia 25 de agosto. Prochet, ex-presidente da União Democrática Ruralista – associação de proprietários rurais voltada à “defesa do direito de propriedade” – é acusado de coordenar a ação de milícias privadas e executar, com um tiro na cabeça, à queima roupa, Sebastião Camargo. Ação foi realizada durante o despejo ilegal de famílias acampadas na Fazenda Boa Sorte, na cidade de Marilena, Noroeste do Paraná.
 
O ruralista já foi julgado em 2013 e condenado a 15 anos e 9 meses de reclusão em regime inicialmente fechado por ter sido considerado autor do disparo que vitimou Sebastião Camargo, mas teve a decisão anulada pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Prochet é a quarta pessoa a ir a júri popular pela morte de Sebastião Camargo.
 
Outras duas pessoas também já foram condenadas pela participação no crime: Teissin Tina, ex-proprietário da fazenda Boa Sorte, onde o agricultor foi morto, recebeu condenação de seis anos de prisão por homicídio simples; Osnir Sanches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de segurança privada, utilizada para recrutar jagunços e executar despejos ilegais.
 
Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado, mas recorreu da decisão. Denunciado apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná – FAEP, ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também responde pelo crime. O ruralista é ex-tesoureiro da União Democrática Ruralista (UDR) e ex-vereador em Paranavaí pelo partido Democratas (DEM).
 
A UDR está diretamente relacionada a diversos assassinatos de trabalhadores sem terra no Paraná durante a década de noventa. Estima-se que quase cem pessoas – entre pistoleiros e autoridades da região – tenham participação no crime, apesar de não terem sido denunciadas.
 
Ações trabalhistas movidas por “seguranças” contra a UDR reforçam o volume de provas sobre a formação de milícias armadas. No Paraná, a UDR já respondeu a oito ações movidas por pistoleiros perante a Justiça do Trabalho, reivindicando pagamentos por serviços de “proteção” a membros da entidade.
 
Filhos, noras e netos de Sebastião Camargo aguardam condenação pelo assassinato do trabalhador. Mais de 18 anos após a morte de sem terra, família ainda não teve reparações. Na foto, Cezar Camargo com o irmão Messias Camargo e sua família. (foto: Gisele Arabori)
 
Violência sintomática
 
A morte de Sebastião Camargo não foi um caso isolado. Entre 1995 e 2002, ao menos outros 16 trabalhadores rurais sem terra foram assassinados. A ação organizada de ruralistas, a omissão da Justiça, e o consentimento de agentes ligados ao governo estadual da época e à polícia militar são fatores em comum dos assassinatos. Em apenas em um desses casos – na morte do trabalhador Eduardo Anghinoni, houve condenação do executor.
 
Um esquema de milícias armadas montado para despejos violentos no Paraná foi desmantelado pela “Operação Março Branco”, da Polícia Federal. O esquema era financiado por fazendeiros, para realizar ataques contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Deflagrada em 2005, a operação prendeu oito pessoas por formação de organização criminosa, entre elas o ex-coronel Waldir Copetti Neves.
 
As violações ocorridas do direito à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial que marcaram o assassinato do trabalhador sem terra levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a responsabilizar o Estado Brasileiro pelo crime, em 2009, 11 anos após o assassinato.
 
Em seu relatório, a CIDH afirmou que “o Estado brasileiro não cumpriu sua obrigação de garantir o direito à vida de Sebastião Camargo Filho (…) ao não prevenir a morte da vítima (…) e ao deixar de investigar devidamente os fatos e sancionar os responsáveis”.
 
Relembre o caso
O dia 7 de fevereiro de 1998 ainda não tinha clareado nos barracos de lona fincados na Fazenda Boa Sorte quando as famílias acampadas ouviram chegar carros e caminhões. Mais de 40 homens armados com escopetas calibre 12, encapuzados e vestidos com camisas pretas desceram dos veículos, determinados a despejar ilegalmente as 70 famílias sem terra que ocupavam as terras improdutivas da fazenda Boa Sorte, em Marilena, Noroeste do Paraná. A fazenda já havia sido declarada como improdutiva pelo INCRA antes mesmo das famílias ocuparem o local.
 
Neste dia, foi morto, com um tiro na cabeça, o agricultor Sebastião Camargo Filho, de 65 anos, pai de cinco filhos. O sem terra é uma das vítimas da ação de milícias armadas no campo, com graves suspeitas de participação direta da União Democrática Ruralista – UDR, durante governo Jaime Lerner, 1995 a 2002.
 
Apesar dos acusados de participação no crime já terem sido julgados e condenados – com exceção de Tarcísio Barbosa, ex-tesoureiro da UDR, denunciado pelo Ministério Público apenas 2013 – até o momento, a família não recebeu nenhum tipo de reparação.
 
Além disso, mesmo com o amplo material levantado acerca do assassinato, o processo criminal permaneceu em fase de instrução inicial durante muito tempo e vários crimes prescreveram pela demora da investigação.
 
O caso foi denunciado à CIDH em 2000 pela Terra de Direitos, Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), em reação à demora injustificada no andamento do processo. Em 2009, a CIDH responsabilizou o Estado Brasileiro pelo crime.
 
Fonte: Terra de Direitos