A produção de alimentos na região Nordeste passou a ser mais ainda um símbolo de resistência, considerando que, mesmo com a grande crise da seca e da pandemia do novo coronavírus, os trabalhadores e trabalhadoras da Agricultura Familiar continuam superando as dificuldades e a colocar alimentação saudável na mesa dos brasileiros.
As políticas públicas em suas dimensões históricas, quando olhamos para o mundo rural, sempre deixaram a desejar, principalmente pelo desiquilíbrio acentuado que sempre privilegiou mais as regiões Sul e Sudeste.
No entanto, os trabalhadores e trabalhadoras por meio das lutas sindicais buscaram alternativas que viabilizassem a produção em meio a seca e a pobreza rural. Hoje, como exemplo da região semiárida, a terra dá alimentos e é um canteiro de grandes projetos alternativos para driblar principalmente a falta de água e garantir a alimentação adequada para sua população.
Reconhecidos por sua perseverança, o Nordeste diante da crise da Covid-19, representado pelas lideranças sindicais da Contraf Brasil/ Fetraf apresentam sua pauta de emergência aos governos, unidos no Consórcio do Nordeste, a fim de combater e minimizar os impactos da pandemia na economia e no abastecimento de alimentos.
A pauta tem o objetivo de buscar soluções viáveis para a região, considerando o contexto da qual a alimentação é fundamental para manter a população fortalecida e saudável no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
“Falar de agricultura familiar é sinônimo de desenvolvimento. Produzir alimentos na região semiárida da qual temos um histórico de resistência e adaptação é fundamental existir ações e estratégias que permitam os produtores a manterem a sua produção. Nossa perspectiva é de crédito, recursos para políticas públicas como PAA e PNAE, porque hoje produzimos para nossa subsistência, como também temos capacidade de comercializar e atender à necessidade de alimentos da população”, diz Josana Lima, coordenadora da secretaria geral da Contraf Brasil e da Fetraf do Rio Grande do Norte, ao analisar a situação.
Entre as medidas apresentadas na pauta estão: utilizar o Fundo de Combate à Pobreza dos Estados para concessão de crédito emergencial; Ampliar os recursos financeiros e metas do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com Execução Direta do Governo do Estado; Garantir a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE; custeio e investimento para o cooperativismo solidário; programa emergencial de distribuição de cestas básicas, com aquisição de produtos da agricultura familiar; retomada do programa nacional de apoio à captação de água de chuva e outras tecnologias sociais.
“A implantação de um crédito emergencial sem burocracia e que se opere de forma remota é a solução para garantir, nesse momento, as condições dos agricultores continuarem produzindo os alimentos e sobrevivendo. É preciso fazer chegar alguma coisa nas mãos dos agricultores para que eles possam produzir e distribuir o excedente para escolas, hospitais como contrapartida. A criação do crédito emergência do Nordeste vai garantir a geração de renda no campo e produção de alimentos”, atesta Auri Junior, da Fetraf do Ceará, um dos estados com a situação mais crítica em relação ao coronavírus.
Para a Contraf Brasil e Fetrafs do Nordeste, o estado brasileiro devido às dimensões territoriais possui particularidades pouco consideradas na descentralização dos recursos públicos. Esse aspecto tem impacto direto na execução das políticas emergenciais dos estados, principalmente ao considerar o acesso para o meio rural nordestino.
As lideranças também solicitam uma audiência em caráter emergencial, avaliando que apesar do cenário de seca, baixo nível tecnológico e pobreza, a Agricultura Familiar do Nordeste tem produzido alimentos para prover as comunidades e os municípios, e que essa atividade é fundamental para garantir a segurança alimentar e nutricional, aspecto reconhecido internacionalmente (FAO, ONU, dentre outros).
“O Governo Federal tem anunciado medidas, porém elas não têm efetividade, ou seja, não chegam a quem precisa. Todos as medidas anunciadas de crédito e garantia não estão acontecendo na prática. Falta operar. E, neste cenário é importantíssimo a anistia das dívidas da Agricultura Familiar. Nós que produzimos 70% dos alimentos que abastecem a cesta básica dos brasileiros, logo temos tamanha importância no abastecimento não apenas do campo, mas das cidades. Precisamos de incentivos com menos burocracia e só assim avançaremos neste processo”, pontua Rosival Leite, coordenador da Fetraf da Bahia.
O olhar da pauta emergencial também inclui o aspecto da gravidade da extrema pobreza no país, pois cerca de 57% das pessoas que estão nesta situação residem no território nordestino e destes, a maioria, estão nos territórios rurais, segundo pesquisa apontada em 2019 pelo IBGE.
Os trabalhadores e trabalhadoras apresentam as soluções baseadas nas experiências do dia a dia, do sol a sol. Quem vive os gargalos da produção de alimentos tem o respaldo para apontar as dificuldades que envolvem desde assegurar insumos, processos de comercialização diante da limitação logística e do fechamento de estabelecimentos comerciais e feiras livres.
“Temos um potencial imenso e uma diversidade na produção de alimentos ricos em nutrientes, a Agricultura Familiar é símbolo de segurança alimentar. Apoiar o nosso custeio e investimento é realizar um projeto de crescimento econômico aliado a sustentabilidade, o respeito a natureza, e querer mais saúde para nossa população. Não há crescimento sem acesso as políticas públicas e o Estado é consciente disso, portanto é dever dos governos se comprometerem com a produção da nossa juventude, de dar condições para nossas mulheres agricultoras, apostar nas cooperativas. É assim que fortaleceremos nossa economia”, explica João Santos, da Fetraf de Pernambuco.
As Fetrafs do Nordeste, que compõe a Contraf Brasil, propõem a remodelagem emergencial das políticas públicas e ações voltadas para os trabalhadores e trabalhadoras da Agricultura Familiar, por meio da criação do crédito emergencial de custeio de atividades agropecuárias e manutenção dos beneficiários e sua família de forma a dar sustentação a unidade de produção familiar. Essa será a via para efetivar o acesso às políticas públicas de inclusão sócio produtiva e geração de renda.