Em meio à crise do leite que se arrasta desde 2015 e que já resultou na perda de ao menos 30 mil propriedades que tinham como atividade a produção do leite, lideranças sindicais, parlamentares e secretários do governo do Rio Grande do Sul estiveram e Brasília para tratar das normativas que excluíram estes inúmeros produtores da cadeia do leite.
Na reunião com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a comitiva do Rio Grande do Sul foi objetiva e pontual no que diz respeito às normativas 76 e 77 do Governo Federal que resultam na exclusão de produtores de leite. Para eles, o governo deve suspender e ou prorrogar o prazo para que os produtores se adéquem as regras.
“Estas novas normas tem sido um processo de seleção há algum tempo. Precisamos de condições e tempo para se adequar. Somos a favor que o consumidor tenha um leite de qualidade, porém o governo precisa ver que também tem que oferecer condições para que possamos entregar o leite com a qualidade exigida. Outra coisa é tratar as regras com diferenciação, nas exigências entre as indústrias. Não é justo ser rígido com os pequenos e pegar leve com os grandes”, avalia Rui Valença, coordenador da Fetraf do Rio Grande do Sul.
A temperatura do leite, que é um dos fatores determinantes na qualidade, foi um dos principais pontos discutidos. Nas normativas o Governo exige que o resfriamento do leite seja entregue a uma temperatura de 4°C até 7°C. No entanto, para agricultores que enfrentam péssimas condições na logística, em que muitas vezes as estradas são de barro, a falta de assistência técnica, as condições de acesso aos financiamentos, são gargalos para a maioria dos produtores que não conseguiram ainda a se adequar as novas normas.
A forma mais eficiente para o resfriamento do leite é o uso de tanques de expansão, que oferecem as condições necessárias, além de conservar a temperatura. Entretanto, poucos pequenos produtores de leite possuem essa estrutura, enquadrando, aqui, apenas grandes indústrias que trabalham com a produção a partir de 8 mil litros de leite.
“Essa norma é feita para os grandes, quem defende essa regra é quem defende os grandes”, diz o deputado federal Marcon (PT-RS).
A ex-senadora Ana Amélia Lemos, agora, secretária de Relações Federativas e Internacionais do RS, representou na reunião o secretário de Agricultura do RS, Covatti Filho. “O secretário é a favor de estender o prazo para integrar o setor. Ele acredita que a prorrogação do prazo destas normativas é necessária. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a energia é monofásica e isso impacta na temperatura do leite. Então não depende apenas do produtor”, explica a situação.
São vários outros fatores que também agravam cada vez mais a situação da crise do leite no país, entre elas a questão da importação do leite envolvendo o Uruguai, Argentina, Nova Zelândia e a União Européia; o preço pago ao produtor pelo litro de leite; e somado a isso as normativas, 76 e 77, que entraram em vigor este ano.
A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul mediante a crise do leite já tinha se manifestado em outubro deste ano, por meio de uma Carta Aberta, sobre o assunto. Com a representatividade de 17 partidos políticos e organizações do campo como a Fetraf RS, Via Campesina, Fetag, Unicafes e MPA, elaboraram o documento a fim de buscar soluções para o problema.
Apesar da comitiva pontuar na reunião apenas um dos itens que constam na carta aberta, que é a suspensão da vigência das INs 76 e 77 para a agricultura familiar, com a implantação conjunta de políticas de crédito e assistência técnica, a Carta Aberta traz outras ações importantes para que a crise do leite tenham um fim, sendo elas:
- Aquisição imediata de 30 mil toneladas de leite em pó da agricultura familiar via o Programa de Aquisição de Alimentos/Conab;
- Volta da sobretaxa de importação de 14% para o leite da União Européia;
- Monitoramento das importações, em conjunto com cooperativas e indústrias.
Os gestores que representam o Mapa, a partir da reunião, se comprometeram que irão trabalhar com os manuais de fiscalização para ajustar as normas de forma que possibilite as plataformas de recebimento de leite recebam o leite entre uma temperatura de 7°C a 9°C. Na próxima semana, também deve ocorrer uma reunião de trabalho na superintendência de Porto Alegre para elaborar uma versão definitiva do novo manual, constando essa flexibilização da temperatura do leite.
Participaram da reunião: Eduardo Sampaio Marques - secretário de Política Agrícola do MAPA; Fernando Mendes - coordenador da Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro); Bernardo Todeschini - superintendente do Ministério da Agricultura no RS; Luis Rangel - diretor do Departamento de Estudos e Prospecção do MAPA; deputado Federal Marcon (PT-RS); deputado estadual Edgar Pretto; Adelar Pretto - presidente da Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (Coceargs); Rui Valença - coordenador da Fetraf-RS.
CARTA ABERTA
PRODUTORES FAMILIARES DE LEITE PEDEM CONDIÇÕES PARA PRODUZIR
Produtores de leite ligados às organizações MST; FETAG, FETRAF RS, UNICAFES,MPA e cooperativas, reunidos em Audiência Pública na Assembleia Legislativa no dia 15 de outubro de 2019, para tratar sobre a crise do setor, resolvem divulgar a presente carta aberta para a sociedade e para os governantes. Os produtores familiares de leite do Rio Grande do Sul estão enfrentando dois problemas na sua atividade: o preço pago que não cobre os custos de produção e as Normativas 76 e 77 do Ministério da Agricultura. Estes fatores combinados estão levando a muitos produtores abandonarem a atividade leiteira. A EMATER fez em 2015 um levantamento sobre a cadeia do leite no RS, onde se verificou a existência de 85.000 propriedades produzindo leite entregue para indústrias e cooperativas. O mesmo levantamento repetido em 2017 verificou a redução para 65.000 propriedades. Estimativas indicam que hoje são em torno de 55.000 propriedades que produzem leite para venda. Em 4 anos, em torno de 30.000 propriedades abandonaram a produção de leite.
A atividade leiteira envolve grande número de pessoas e faz girar a economia dos municípios, principalmente os pequenos. A desistência da atividade acaba afetando toda a economia local e regional. Como exemplo, a Associação dos Municípios da Região Celeiro encomendou um estudo a EMATER sobre as perdas financeiras que os municípios registraram com a crise do leite no ano de 2017. O resumo do impacto econômico e social resultou numa perda de mais de R$ 125 milhões de reais e no abandono de mais de 500 famílias da atividade.
O preço pago ao produtor pelo litro de leite gira em torno de R$ 1,00. Porém o custo de produção chega a R$ 1,20 por litro. Assim o preço castiga aqueles produtores que investiram em tecnologia e desestimula o pequeno produtor a investir em melhorias.
O consumo de produtos lácteos vem caindo em razão da política econômica dos Governos Federal e Estadual. Junta-se ainda o abandono de políticas públicas de apoio ao setor, como compras de leite em pó por parte da CONAB para os programas sociais e de ajuda humanitária. As grandes empresas de lácteos que dominam o setor e não tem compromisso com a economia local e regional, aproveitam-se de toda esta situação e jogam os preços ainda mais para baixo, importando leite do Uruguai e da Argentina. De janeiro a junho deste ano, as importações aumentaram 18,3% comparado ao mesmo período do ano de 2018, conforme dados da SECEX. A Argentina vive uma brutal recessão econômica e com grande queda no consumo. A tendência é só aumentar a pressão para exportar leite para o Brasil. Como não vigora mais o regime de cotas de importação, não há limite.
A entrada em vigor das INs 76 e 77 – as duas instruções normativas passaram a valer a partir de junho deste ano. As exigências visam a melhoria da qualidade do leite, o que é positivo. Porém para que o pequeno produtor, pequenas indústrias e cooperativas o desafio é muito grande e exige investimentos em novos equipamentos. Outros gargalos como a qualidade da energia elétrica e as condições das estradas dependem das prefeituras e empresas fornecedoras de energia, há muito tempo cobradas. Rotas com muitos produtores e estradas em péssimas condições tornam muito difícil atender à exigência da Instrução Normativa 77, de o leite chegar na plataforma a 7ºC, quando antes era de 10º C. O resultado é inevitável: o descarte de muitos pequenos produtores, com enormes prejuízos econômicos e sociais para a economia dos municípios.
O Governo Federal aposta na exportação para os mercados da China e Egito. Não reeditou, conforme prometido, a sobretaxa de 14% para a importação de lácteos da União Europeia. O Programa de Aquisição de Alimentos praticamente não conta mais com recursos.
O Governo do Estado ainda não apresentou uma política para a cadeia do leite. Nada fez até agora para evitar o abandono de milhares de pequenos produtores da atividade do leite.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, a FETAG, a FETRAF, UNICAFES, MPA, Cooperativas apresentam a seguinte pauta de reivindicações para aliviar a grave crise que a cadeia do leite enfrenta:
Governo Federal
Imediata suspensão da vigência das INs 76 e 77 para a agricultura familiar, com a implantação de um conjunto de políticas de crédito, assistência técnica para agricultores e cooperativas, com vistas a se organizarem para enfrentar as exigências sanitárias destas instruções normativas;
Aquisição imediata de 30.000 toneladas de leite em pó da agricultura familiar via o Programa de Aquisição de Alimentos/CONAB;
Volta da sobretaxa de importação de 14% para o leite da União Europeia.
Monitoramento das importações, em conjunto com cooperativas e indústrias;
Governo do Estado
Assumir a pauta da defesa dos produtores de leite do Estado, intercedendo junto ao Governo Federal para a imediata suspensão das INs 76 e 77 e o estabelecimento de cotas de importação da Argentina;
Destinar recursos do FEAPER para compra de equipamentos;
Aumentar as compras institucionais de leite;
Campanha de valorização do leite gaúcho;
Destinar recursos para um programa de qualificação de energia no campo;
Montar um programa com recursos do Fundo Social do BNDES para as cooperativas e agroindústrias se adaptarem às novas exigências sanitárias;
Manutenção das estradas estaduais em boas condições.
Prefeituras Municipais
Manutenção das estradas em boas condições.