O Conselho Nacional de Saúde recomenda aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarem a inconstitucionalidade de duas cláusulas do Convênio Confaz 100/1997 e 24 dispositivos apontados na Tabela do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), que concedem benefícios fiscais às indústrias dos agrotóxicos. O tema está na pauta do plenário do STF desta quarta-feira (19), quando será julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553/2016, ajuizada pelo Psol.
Convênio tira recursos dos estados e beneficia indústria dos agrotóxicos
Representando todos os setores da sociedade, os conselheiros invocam princípios constitucionais, indo muito além dos direitos de todos à saúde e ao ambiente equilibrado. Provocam o Estado a garantir, por meio de políticas sociais, a redução do risco de doença e de outros agravos, e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Para isso, provocam o Estado a atuar sobre a atividade econômica relacionada a agrotóxicos, equilibrando a atividade econômica com a defesa da saúde pública, assegurando existência digna sem estimular a oferta e o consumo de alimentos nocivos à saúde, por meio dos benefícios fiscais concedidos ao setor, o que torna essa forma de produção de alimentos hegemônica no país.
Considerando que essas medidas de política fiscal têm intensificado o uso de agrotóxicos para a produção de alimentos no país e que, conforme Relatórios Anuais de Comercialização de Agrotóxicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as vendas anuais de agrotóxicos e afins no Brasil entre os anos 2000 e 2012 tiveram um crescimento de 194,09%.
Para o Conselho Nacional de Saúde, “os benefícios fiscais a agrotóxicos implicam em violação do princípio da seletividade tributária do ICMS e do IPI e na consequente violação do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Confira a recomendação na íntegra:
RECOMENDAÇÃO Nº 011, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2020
Recomenda a declaração da inconstitucionalidade das Cláusulas Primeira e Terceira do Convênio CONFAZ nº 100/1197 e os 24 dispositivos apontados da TIPI.
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Vigésima Sexta Reunião Ordinária, realizada nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2020, em Brasília – DF, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar no 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto no 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da legislação brasileira correlata; e
Considerando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, CF/1988);
Considerando que a ordem econômica deve observar os princípios gerais da atividade econômica, dentre eles o de assegurar a todos uma existência digna a partir dos ditames de justiça social, e que os princípios do art. 170 da CF/1988 definem a organização econômica do Estado (princípios da propriedade privada e livre concorrência) e, ao mesmo tempo, a limita para garantia de outros direitos igualmente importantes;
Considerando que o Estado deve atuar sobre o exercício da atividade econômica relacionada a agrotóxicos no Brasil para equilibrar o livre exercício desta atividade com a defesa da saúde pública, assegurando existência digna e não estimulando a oferta e consumo de alimentos que impliquem em perigo à saúde ou segurança das pessoas de um produto que gera externalidades negativas notórias;
Considerando que o art. 170 da Constituição Federal de 1988 e os artigos 4º e 6º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), protegem os consumidores contra os riscos decorrentes de produtos oferecidos no mercado, e a garantia do direito à escolha e ao acesso a produtos que não impliquem risco à sua saúde ou segurança;
Considerando que o cenário atual, na grande maioria das vezes, é de predominância da compra de alimentos produzidos com agrotóxicos, pois, em razão dos benefícios fiscais concedidos ao setor, esta é a forma de produção de alimentos hegemônica no país;
Considerando que os malefícios do consumo de alimentos produzidos com agrotóxicos têm vasta comprovação científica produzida por instituições especializadas e de notável prestígio, como o dossiê “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, da ABRASCO, que indica uma associação entre a utilização de agrotóxicos e diversas consequências graves à saúde humana e ao meio ambiente;
Considerando que a Cláusula Primeira do Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) nº 100/1997 reduz em 60% a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), nas saídas interestaduais de agrotóxicos; a Cláusula Terceira autoriza os Estados e o Distrito Federal a conceder às operações internas com agrotóxicos a mesma redução ou isenção da base do ICMS e os dispositivos questionados da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), referem-se à concessão de alíquota 0% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a 24 agrotóxicos;
Considerando que a política fiscal deve ser harmonizadora do desenvolvimento econômico com a proteção da saúde e do meio ambiente e que os incentivos fiscais a agrotóxicos vão na contramão desse objetivo, violando o direito fundamental à saúde, uma vez que a política de isenção de impostos a agrotóxicos leva à intensificação do seu uso, conforme tem se dado no caso do Convênio CONFAZ nº 100/1997 e na TIPI do Decreto nº 8.950, de 29 de dezembro de 2016, que revogou o Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011;
Considerando que tais medidas de política fiscal têm intensificado o uso de agrotóxicos para a produção de alimentos no país e que, conforme Relatórios Anuais de Comercialização de Agrotóxicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), as vendas anuais de agrotóxicos e afins no Brasil entre os anos 2000 e 2012 tiveram um crescimento de 194,09%;
Considerando a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 5553, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com o objetivo ver declarada a inconstitucionalidade das Cláusulas Primeira e Terceira do Convênio nº 100/1997 do CONFAZ e 24 dispositivos da TIPI aprovada pelo Decreto 7.660/2011;
Considerando que os benefícios fiscais a agrotóxicos implicam em violação do princípio da seletividade tributária do ICMS e do IPI (CF, art. 153, § 3°, I, e art. 155, § 2º, III) e consequente violação do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), princípio fundante do Estado Democrático de Direito, bem como dos seguintes direitos constitucionalmente assegurados: o direito ao meio ambiente equilibrado (CF, art. 225, caput) e o direito fundamental à saúde (CF. art. 196, caput); e Considerando que referida ação está aguardando julgamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF).
Recomenda
Aos Excelentíssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal, em especial ao Sr. Relator, Ministro Edson Fachin, que declarem a inconstitucionalidade das Cláusulas Primeira e Terceira do Convênio CONFAZ nº 100/1197 e os 24 dispositivos apontados da TIPI.
Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Vigésima Sexta Reunião Ordinária, realizada em Brasília/DF, nos dias 13 e 14 de fevereiro de 2020.