A Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil, diante da divulgação da avaliação da Controladoria Geral da União (CGU) sobre o processo de Reforma Agrária no Brasil e a divulgação de irregularidades veiculadas pelo Programa Fantástico da Rede Globo, vem a público manifestar sua posição a favor de uma Reforma Agrária com amplitude, justiça e dignidade.
Os dados da CGU e as denúncias tornadas públicas revelam as três faces da Reforma Agrária no Brasil: a “farra da Reforma Agrária”, com um número significativo de irregularidades e fraudes; a efetiva presença da Reforma Agrária vinculada a um projeto de nação comprometido em combater a concentração fundiária, democratizando o aceso e a permanência na terra como uma conquista de direito à dignidade; e a ausência de uma política agrária e agrícola efetiva que dialogue com a diversidade do rural brasileiro.
A FETRAF-BRASIL/CUT condena e repudia toda e qualquer irregularidade e fraude cometidas no processo de realização da Reforma Agrária, independente do período em que ocorreram e independente de quem tenha sido responsável pela sua prática. Apoia a investigação feita pela CGU no sentido de identificar e tornar públicos tais atos. De forma alguma podemos aceitar que um direito conquistado a duras penas que o direito à terra para quem nela trabalha e quer produzir seja desvirtuado e fraudado. E, nesse sentido, exigimos e nos dispomos a contribuir para que esses crimes contra os trabalhadores do campo e contra a sociedade brasileira sejam elucidados e sejam reparados, com a devolução imediata das terras para o processo de Reforma Agrária, assim como haja a devida punição, nos rigores da lei, às pessoas responsáveis.
Contudo, se as irregularidades representam ao redor de 8% das um milhão de famílias já assentadas, a Reforma Agrária como uma conquista de cidadania, justiça, dignidade, capacidade de produção de alimentos e contribuição para um desenvolvimento rural com gente e com gente feliz significam mais de 90% desse universo. E isso não é pouco: perto de um milhão de famílias que conquistaram a terra como um espaço de vida e de trabalho, como uma conquista que persistirá pelas gerações futuras “enquanto existir a palavra neto”.
Se o processo de Reforma Agrária não modificou efetivamente a estrutura agrária e fundiária no Brasil, estando a terra ainda concentrada na mão de poucos, ela é um fato que modificou o perfil da população e da produção no campo, representando ao redor de um quinto dos estabelecimentos agropecuários.
No entanto, para o conjunto da sociedade brasileira ainda não é uma conquista consolidada. O acesso à terra é um primeiro passo, ao qual muitos outros precisam ser dados. Se é verdade que existem investimentos em equipamentos que estão ociosos, como as caixas d’água vazias mostradas pelo programa (muitas provavelmente vinculadas às irregularidades no acesso à terra), também é verdade que um grande número de assentamentos estão carentes de investimentos em equipamentos coletivos e familiares básicos para o avanço em cidadania, dignidade e capacidade de produção.
E a terceira face da Reforma Agrária foi explicitada pela sua ausência. Milhares de famílias estão acampadas à espera desse direito sagrado: um pedaço de chão onde viver e plantar. Condenamos veementemente as irregularidades e fraudes. Mas também condenamos a “farra do latifúndio”, que insiste em manter-se com seu atraso e acobertado pelo poder político usurpado por este setor, particularmente no Congresso Nacional. Também condenamos a “farra do poder judiciário” que, muitas vezes, impede as desapropriações para a Reforma Agrária, numa clara opção pela manutenção do latifúndio. E condenamos os instrumentos legais que dificultam e impedem a concretização e o avanço da política de Reforma Agrária em nosso país.
A FETRAF-BRASIL/CUT considera que, para dar conta destas três faces da Reforma Agrária, será necessário que haja uma forte vontade política por parte do Governo Federal e dos Governos Estaduais no sentido de efetivar uma Reforma Agrária ampla, justa e digna. É necessário que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) seja fortalecido, com recursos financeiros e humanos, e com efetiva capacidade de gestão e intervenção, para ser um Ministério promotor do desenvolvimento no campo e implementador da Reforma Agrária e do fortalecimento da Agricultura Familiar como uma estratégica de desenvolvimento sustentável e solidário. É fundamental que o INCRA seja modernizado e transformado num instrumento efetivo para impedir e combater as irregularidades no processo de redistribuição de terras no país.
Finalmente, a FETRAF-BRASIL/CUT manifesta seu compromisso, junto com as demais organizações do campo comprometidas com um novo projeto de nação, a promover neste ano que ora se inicia, uma grande e massiva ação pela efetivação da Reforma Agrária e contra as “farras” e as amarras que buscam impedir a sua realização.
Pelo fim do latifúndio e da estrangeirização das terras brasileiras.
Reforma Agrária já.