Nota pública, assinada pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Urbana e dos Movimentos de Luta por Moradia, pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular e pela presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos (CDHM), pede suspensão do cumprimento de medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas de despejos, desocupações, reintegração de posse ou remoções durante o estado de calamidade pública decretado por causa do Covid-19.
O grupo reivindica que o Congresso Nacional aprove proposições que garantam que não haja despejos de imóveis privados ou públicos, urbanos ou rurais, de povos tradicionais, e de moradias consideradas individuais ou de famílias. Além disso, solicitam que seja derrubado, via votação, o Veto Presidencial ao Artigo 9 do Projeto de Lei 1179/2020, que impedia ações de despejo durante a pandemia.
Para discutir a questão, todos esses atores se reuniram, nesta segunda-feira (10), com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ). O encontro atende a uma demanda proposta em debates realizados anteriormente.
Natália Bonavides (PT/RN), autora do Projeto de Lei 1975/2020, que tramita em regime de urgência e apensado ao PL 827/2020, suspende por 90 dias o “cumprimento de toda e qualquer medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em despejos, desocupações ou remoções forçadas, durante o estado de calamidade pública reconhecido em razão do Covid-19”. Junto a este projeto de lei, outros 19 tratam do tema. “São vinte projetos apensados, e temos o apoio de várias entidades. Impedir o despejo coletivo de famílias em situação de vulnerabilidade é uma questão humanitária. Há absurdos de famílias que já passaram por dois despejos. Tudo leva a um risco tremendo, pessoas ficam sem casa e aglomeradas. Articular a votação deste projeto seria fundamental”, argumenta Bonavides.
O presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES), lembrou a Rodrigo Maia o pedido feito por Jan Jarab, Representante Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, solicitando aos dois atenção aos projetos de lei relativos às questões de direitos humanos no contexto da COVID-19. Jarab recomendou especial atenção “às mulheres, crianças e idosos em situação de violência, população em situação de rua, indígenas e outros povos tradicionais”. Salomão destaca: “temos recebido inúmeras denúncias de despejos pelo país todos e queremos um entendimento com a presidência da Câmara para agilizar a votação de projetos que enfrentem o problema”.
Paulo Teixeira (PT/SP), Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Urbana e dos Movimentos de Luta por Moradia, lembra que “a maior recomendação é que as pessoas fiquem em casa, mas aumenta o número de pessoas nas ruas, despejadas de suas casas e continuamos com a média de mil mortos por dia por causa da pandemia. A derrubada do veto presidencial e a votação dos projetos de lei são fundamentais para a população”.
Paulino Montejo, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pede que “o Parlamento continue sendo uma trincheira da democracia e de equilíbrio das relações institucionais. Estamos sob a mira de políticas, práticas jurídicas e econômicas há mais de 500 anos. Somos solidários aos movimentos do campo e da cidade pelos direitos coletivos”.
“Essa questão nos persegue desde o início da pandemia, apesar das recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de outras instituições. Os despejos são dramáticos. Precisamos de uma solução que enfrente essa situação, como esse projeto de lei e a derrubada do veto do presidente Bolsonaro. Muitas famílias que pagavam o aluguel certinho tiveram o salário reduzido ou perderam o trabalho. Isso uma falta de sensibilidade”, diz Evaniza Rodrigues, do Movimento Nacional pela Moradia.
Para Marcelo Freixo (PSOL/RJ), Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular, “é muito importante que a presidência da Câmara esteja ouvindo a sociedade civil. Nas grandes cidades o número de moradores de rua aumentou muito e nesse momento de pandemia o risco é muito grande. E os números de óbitos causados pela pandemia mostram que as maiores vítimas são os pobres. Essa política de despejos não tira só as casas, mas também a vida pessoas”.
Dom André de Witte, Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ressalta que, em 2019, foram 1.254 despejos envolvendo mais de 10 mil famílias, um aumento de 12% em relação a 2018 nos casos de ameaças de despejo judicial e tentativas de expulsão. É o maior número de ocorrências desde 2016. De acordo com o relatório da CPT “Conflitos no Campo 2019”, o primeiro ano do governo Bolsonaro também teve o maior número de hectares em conflito: 53 milhões de hectares, uma área equivalente ao território da Bahia. “Estamos falando da defesa da vida. Alguns desses conflitos são casos que se arrastam há até 30 anos, com pessoas construindo, plantando, e sempre sob o risco de despejo”.
Incra paralisado e cancelamento do Minha Casa Minha Vida
“Temos um Incra paralisado diante dos despejos. Um órgão que não exerce a sua função. Hoje, temos 66 áreas prontas para assentar milhares de famílias e nada é feito. Mesmo assim, continuamos produzindo alimentos para todo Brasil”, afirma Alexandre Conceição, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Getúlio Vargas, da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), lembra que “o Congresso é um dos únicos canais de diálogo hoje e esse projeto de lei é importante para que famílias não sofram mais violações”. Vargas ressalta ainda o cancelamento do programa Minha Casa Minha Vida, em 2019. “Foi um duro golpe na luta por moradia e fez o déficit habitacional voltar a um nível muito alto”.
O governo federal anunciou, no dia 30 de julho, novas regras para o Minha Casa Minha Vida. A mudança vale apenas para duas mil unidades habitacionais já contratadas e que ainda não foram entregues.
“Hoje, temos mais de duzentas ordens de despejo de comunidades quilombolas em todo país. Já morreram 145 pessoas por causa do Covid-19 e temos 3 mil quilombolas infectados, principalmente na região Amazônica, onde existem várias obras em territórios quilombolas. Nosso inimigo não dorme”, lamenta Bko Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
O eminente despejo de famílias do acampamento Quilombo Campo Grande, na Fazenda Ariadnópolis (MG), é lembrado por Rogério Correia (PT/MG). “Estamos correndo contra o tempo e o risco de atrito é muito grande, peço que a presidência da Câmara pondere com o governo e judiciário mineiros para evitar este despejo”. A ordem da justiça para reintegração de posse está prevista para esta quarta-feira (12). A Presidência da CDHM tem feito gestões sobre o tema.
Rodrigo Maia
O presidente da Câmara dos Deputados informa que vai analisar o Projeto de Lei 1975/2020 conjuntamente com outros partidos. “Vou tentar um acordo, não podemos entrar com a votação deste projeto de qualquer forma. Quanto ao veto do presidente a um artigo do Projeto de Lei 1179, vamos seguir votando juntos, não vai haver problemas. Vamos tentar construir juntos um caminho para resolver essas questões”.
Os participantes do encontro devem promover uma mobilização envolvendo todos os autores dos projetos de lei sobre o tema em tramitação no Congresso, movimentos sociais e buscar o apoio da classe artística para o tema.
Também acompanharam a reunião os parlamentares Alencar Santana (PT/SP), Marcon (PT/RS), João Daniel (PT/SE), Nilto Tatto (PT/SP), Airton Faleiros (PT/PA), e representantes do Conselho Indigenista Missionário(Cimi), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) , Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Via Campesina, Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Central de Movimentos Populares (CMP), Terra de Direitos, Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e Brigadas Populares.
Mais informações
Além do Projeto de Lei de Natália Bonavides, também tramitam na Câmara os seguintes Projetos de Lei acerca de despejos e reintegrações de posse: 936/2020, de Luis Miranda (DEM/DF); 957/2020, de Helder Salomão (PT /ES ); 1112/2020, de Marcelo Freixo (PSOL/RJ); 1312/2020, de Carlos Sampaio (PSDB/SP); 1367/2020, de Christino áureo (PP/RJ); PL 1489/2020, de Marcelo Freitas (PSL/MG); PLs 1340/2020, 1583/2020 e 2909/2020, de Alexandre Frota (PSDB/SP); PL 1831/2020, de Luiz Carlos Mota (PL/SP); PL 1432/2020, de Ricardo Izar (PP/SP); PL 1834/2020, de João Daniel (PT/SE); PL 1902/2020, de Rejane Dias (PT/PI); PL 488/2020, de José Airton Felix Cirilo (PT/CE); PL 1028/2020, de Junior Mano (PL/CE); PL 1246/2020, de Luiz Antonio Corrêa (PL/RJ); PL 1684/2020, de Alencar Santana (PT /SP); PL 1784/2020, de Paulo Teixeira (PT/SP); e PL 2093/2020, de Fausto Pinato (PP/SP).
Segundo a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Urbana, o déficit habitacional no Brasil está em 7,8 milhões de domicílios (MDR/2017). Já a população em situação de rua, de acordo com o IPEA em 2016, estava em 101.854 pessoas. Um levantamento da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), divulgado no último dia 3/8, aponta que o número de reintegrações de posse e remoções, na Região Metropolitana de São Paulo, dobrou durante a pandemia de Covid-19. De acordo com o levantamento, nos meses de abril, maio e junho foram realizadas seis remoções na Região Metropolitana, atingido 1,3 mil famílias. A mesma pesquisa afirma que a maior parte desses despejos foi feita sob ordens do Poder Judiciário.
No campo, povos tradicionais também enfrentam situação de vulnerabilidade diante da pandemia. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) tem monitorado mais de 15 ações de reintegração de posse movidas contra quilombolas, que vivem em terras reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Já a Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta a existência de liminares de despejo em alguns estados. No Sul e Sudeste do Pará, são identificadas 27 áreas com 3942 famílias; no Paraná, 8 áreas com 1.355 famílias; no Mato Grosso, 5 áreas com 850 famílias; na Paraíba, 6 áreas, com um total de 814 famílias; em Pernambuco, 12 liminares podem atingir 550 famílias e em Minas Gerais, pelo menos uma área com 453 famílias. Todas essas liminares atingiriam, assim, 7.964 famílias.
Pedro Calvi / CDHM