Escrito por Fernanda Silva e Leonardo Severo, de Brasília
Ao som de Cio da Terra, um dos hinos da luta pela reforma agrária, dos compositores Milton Nascimento e Chico Buarque, a juventude do campo deu início, nesta quarta-feira (28), em Luziânia-GO, ao II Congresso da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil/CUT), com uma mística de abertura que emocionou o plenário.
A apresentação teatral abordou a importância de cuidar da terra e saber lidar com ela, uma vez que é a provedora do sustento e geradora de vida, que não pode ser sacrificada pela lógica do agronegócio, altamente poluente e concentrador de renda. Representando o vigor daqueles que produzem 70% da alimentação que os brasileiros consomem, os jovens encenaram a fertilização do solo, a germinação dos alimentos e, de dentro de uma grande caixa, retiraram faixas com palavras que expressam as bandeiras de luta da Fetraf: Luta, Mulheres, Reforma Agrária, Habitação, Juventude, ATES (Assistência Técnica e Social), ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural), Saberes da Terra, PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), Merenda Escolar, Crédito Fundiário e Educação.
Em discurso emocionado, Elisângela Araújo, coordenadora Geral da Fetraf-Brasil falou sobre a importância do II Congresso para a entidade neste momento, não só de comemoração, ?mas principalmente, de preparação para o enfrentamento em defesa de um nacional de desenvolvimento sustentável e solidário?.
?Os avanços que conquistamos nas áreas de produção e comercialização, o trabalho com o PAA, a lei da merenda escolar (que estabelece a compra de, no mínimo, 30% dos alimentos da agricultura familiar pelas administrações municipais às instituições de ensino) e nas áreas de habitação e educação no campo, são resultados do processo de organização que a Fetraf desenvolve. Nascemos com este desafio: construir um movimento sindical cutista, de liberdade e autonomia sindical?, declarou Elisângela.
A coordenadora da Fetraf lembrou ainda que ?precisamos mostrar à sociedade, contrariando a visão elitista da mídia, que somos capazes de abastecer este país com 100% de produtos vindos da agricultura familiar?. Para garantir avanços, a Fetraf defende mais financiamentos, crédito e assistência técnica.
Sobre os desafios e objetivos que a Federação traçou para o próximo mandato, constam a consolidação da agricultura familiar como categoria representativa e economicamente estratégica. O secretário geral da CUT Nacional, Quintino Severo, listou esse item como o primeiro a ser enfrentado pela Fetraf-Brasil.
O segundo, ressaltou Quintino, ?é consolidarmos as ferramentas de luta, neste caso a própria Fetraf e, em terceiro, defender o meio ambiente, pois são os agricultores familiares que mais sabem, compreendem e têm interesse em preservá-lo por saber que é da terra que tiram o próprio sustento?. Nosso compromisso comum, acrescentou, ?é construirmos um modelo agrícola diferente do agronegócio, do latifúndio, garantindo a atualização dos índices de produtividade da terra, que continuam sendo do século passado?.
Para Altemir Gregolim, Ministro da Pesca e Aquicultura, o papel da agricultura familiar é estratégico para o país, sendo que ?as maiores e mais importantes vitórias conquistadas pela categoria começaram pelo reconhecimento do presidente Lula deste fato para o desenvolvimento do Brasil?.
A relevância do setor tornou-se ainda mais evidente com a divulgação do Censo Agropecuário 2006, que atesta a categoria como 89% mais produtiva que o agronegócio. Segundo o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA) Guilherme Cassel, ?eles têm que aprender conosco ? agricultura familiar - como é que se produz?.
Conforme Cassel, ?diziam muita bobagem, mas o censo jogou luz sobre a realidade brasileira, demonstrando que a reforma agrária não é uma bandeira ideológica, mas uma necessidade. E o melhor caminho para o desenvolvimento do país. Primeiro, porque se relaciona melhor com o meio ambiente; segundo, porque ocupa mais pessoas?. O ministro informou que enquanto a agricultura familiar emprega 15,4 pessoas a cada 100 hectares, o agronegócio emprega somente 1,7. A eficiência é comprovada também pela maior geração de renda: R$ 766 por hectare na agricultura familiar contra somente R$ 358 do agronegócio.
A criminalização dos movimentos sociais também foi denunciada por Cassel, para quem a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) é contra uma forma de relacionamento entre o governo e a sociedade civil. ?Querem nos acuar. Precisamos de unidade, combatividade e lucidez para enfrentar essa perseguição?, frisou.
O deputado federal e ex-presidente nacional da CUT, Vicente Paulo da Silva (Vicentinho) disse ter na sua atuação ?o DNA da Fetraf, junto e misturado? e destacou a necessidade dos agricultores familiares se somarem à luta ?em defesa da Petrobrás, contra a cobiça dos grupos internacionais que querem o pré-sal?. Elogiando Elisângela e todas as mulheres agricultoras, Vicentinho arrancou aplausos do plenário ao destacar que, ?assim como a Fetraf é coordenada por uma guerreira, o Brasil também pode ser governado por uma mulher?.
Dois momentos contagiaram o evento e destacaram a intensa trajetória de luta e conquista: a homenagem ao companheiro Magno Oliveira, que deu nome ao II Congresso da Fetraf - falecido no mês de junho ? e a entrega da premiação dada pela ONU aos coordenadores da Cooperativa de Habitação dos Agricultores Familiares (Cooperhaf), que tem 30 mil moradias já construídas ou em execução, em 14 estados. O prêmio foi em reconhecimento às práticas sociais de habitação desenvolvidas pela cooperativa, que ficou entre as dez melhores do mundo.
Entre outros, estiveram presentes representações da Secretaria Geral da Presidência, dos ministérios do Meio Ambiente e Cultura, da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), Secretaria Especial de Promoção e Igualdade Racial, Embrapa, Conab, Banco do Brasil, Caixa e o deputado estadual Dirceu Dresch (PT-SC).