Enquanto são considerados fundamentais para a economia brasileira pelos ruralistas, os agrotóxicos se mostram grandes vilões no que diz respeito à arrecadação aos cofres públicos e aos gastos com saúde pública. Apenas em 2018, o Brasil deixou de arrecadar R$ 2,07 bilhões em razão da isenção fiscal dos agrotóxicos que existe no país.
Desde 2004, o setor de agrotóxicos é beneficiado pela Lei 10.925, de autoria do deputado Mario Negromonte (PP-BA), ex-ministro das Cidades, que prevê a isenção do pagamento de tributos como o PIS/PASEP e do Cofins na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno.
Além disso, a comercialização de venenos agrícolas é beneficiada com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) em razão do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos, estabelecido pelo Decreto 7.660, de 23 de dezembro de 2011.
Dados da Receita Federal revelam que entre 2011 e 2016, as isenções do Cofins e do PIS/Pasep acumularam R$ 6,85 bilhões, de acordo com dados da Receita Federal divulgados pelo portal The Intercept. E o que já é ruim, pode ficar cada vez pior: apenas no último ano, as desonerações aos insumos agrícolas cresceram 32% na comparação com o 2017, quando a renúncia fiscal foi de R$ 1,57 bilhão.
“É um contrassenso em um momento de extrema política de austeridade e corte de direitos sociais manter benefícios a produtos que comprovadamente causam inúmeros danos e impactos à saúde humana e à biodiversidade brasileira”, aponta a advogada popular Naiara Bittencourt, advogada popular da Terra de Direitos e integrante da Campanha Contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Cálculo maior
O dado que já parece alto pode ser muito maior, caso sejam consideradas as isenções dadas pelos estados. É isso o que defende o defensor público do estado de São Paulo, Marcelo Novaes. A partir de uma requisição, Novaes foi informado pela Secretaria da Fazenda de São Paulo que a renúncia fiscal de ICMS dos agrotóxicos chegou a R$ 1,2 bilhão só em 2015 naquele estado – valor maior do que o destinado para a Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento no ano seguinte, que foi de R$ 1,1 bilhão.
O defensor destaca que uma das maiores dificuldades em realizar o cálculo está na falta de transparência e de informações disponíveis. “O levantamento das desonerações fiscais nas operações envolvendo a importação, exportação, fabricação e comercialização dos agrotóxicos é realizada pontualmente e mediante a requisição de estudos específicos, haja vista a falta de acesso à informação ativa por parte dos órgãos fazendários”, pondera Novaes.
Com a liberação desenfreada de novos agrotóxicos pelo atual governo de Jair Bolsonaro – em cinco meses foram liberados 239 registros – o valor que deixará de ser arrecadado aos cofres públicos pela isenção tributária também deve aumentar.
“Como o sistema de tributação incide sobre o produto, quanto mais agrotóxico se utiliza, menos se deixa de arrecadar impostos”, explica Bittencourt. E alerta: “Funciona como uma cadeia cíclica: mais agrotóxicos e menos impostos, mais incentivo e benefício estatais, maior utilização e incentivo nestas áreas”.
Além da falta de arrecadação, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública de autoria de Wagner Soarese Marcelo Firpo de Souza Porto revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, são gastos U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas – aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo, não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer.
Os benefícios fiscais aos agrotóxicos já foram questionados em Santa Catarina. Desde abril deste ano, o estado conta com a Tributação Verde, uma lei que passa a cobrar ICMS de agrotóxicos. A perda de arrecadação estimada no estado é de R$750 milhões.
Essenciais para quem?
Para Naiara Bittencourt, a escolha de tornar alguns agrotóxicos isentos de tributação sob justificativa de serem “insumos essenciais”, prova a atuação política na escolha dos incentivos fiscais. Segundo ela, a isenção dos agrotóxicos só reforça um modelo agrícola dependente destes insumos, que são produzidos em sua maioria por empresas transnacionais. “Hoje há uma produção e uma aplicação desenfreada justamente porque também há um incentivo. O benefício, neste caso, é um incentivo”, destaca. E exemplifica: “Quando se taxam cigarros ou bebidas alcoólicas, isso significa que é uma política de desestímulo ao uso. Quando você tem uma isenção tributária é totalmente o inverso – se incentiva o consumo”.
Enquanto o Brasil deixa de arrecadar com os agrotóxicos, a Política e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica sofre com a falta de orçamento. “O Ministério da Agricultura está menos preocupado em estabelecer políticas de crédito agrícola para agricultura familiar, como foi a paralisação do PRONAF ou restabelecer o Programa de Aquisição de Alimentos, enquanto acelera a liberação de agrotóxicos”, aponta Bittencourt.
Um dos maiores argumentos utilizados pelos ruralistas é a de que a utilização de agrotóxicos seria necessária para manter o agronegócio ativo com rendimentos para o Estado. Marcelo Novaes, no entanto, desmistifica essa ideia. “Temos um mercado que movimenta mais de R$ 30 bilhões por ano e arrecada, de tributos federais, perto de R$ 500 milhões – ou seja, menos de 1,5% da receita bruta do setor”, destaca. O levantamento feito por Novaes também traz outro dado alarmante: enquanto foram exportados US$ 96 bilhões em produtos agrícolas em 2018, apenas R$ 5 mil foram arrecadados em impostos pela União. “É o preço de um carro sucateado na periferia de São Paulo”, compara.
O defensor também destaca que é preciso refletir quem são maiores beneficiários desses incentivos. Segundo ele, a maior parte dos agrotóxicos é utilizada na produção de commodities agrícolas destinados à exportação. “A soja, milho, algodão e cana respondem por mais de 78% do agrotóxico consumido no país. Ou seja, estamos subvencionando os grandes proprietários, complexos agroindustriais e empresas exportadoras” enfatiza.
Organizações exigem mudanças
O princípio da essencialidade que isenta de tributos os agrotóxicos é questionado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 que tramita no Supremo Tribunal Federal. A ADI foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016 para questionar as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011.
Para ajudar nesse processo, organizações da sociedade civil como a Terra de Direitos, a Campanha Nacional Permanente Contra os Agrotóxicos, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e a Fian Brasil participam da ação na condição de AmicusCuriae.
Para Naiara, que também representa a Terra de Diretos na Ação, o julgamento é uma porta de diálogo com a sociedade sobre o tema. “A sociedade já vinha acompanhando os malefícios dos agrotóxicos”, pondera. Agora, segundo ela, é possível observar que o Estado que corta direitos e investimentos sociais em diversas áreas não aplica tais medidas em searas como o dos agrotóxicos. “Isso faz com que as pessoas observem que o governo federal não está priorizando investimentos sociais, como educação, saúde e a própria alimentação, mas desonera os agrotóxicos, especialmente aqueles voltados à exportação de commodities”.