O censo e o bom senso: hora de investir na agricultura familiar

O censo e o bom senso: hora de investir na agricultura familiar

Escrito por: FETRAF Publicado em: 12/12/2009 Publicado em: 12/12/2009

Escrito por Elisângela Araújo, coordenadora da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf)

"No Censo Agropecuário 2006, foram identificados 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Este numeroso contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Estes resultados mostram uma estrutura agrária ainda concentrada no País: os estabelecimentos não familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos estabelecimentos, ocupavam 75,7% da área ocupada. A área média dos estabelecimentos familiares era de 18,37 hectares, e a dos não familiares, de 309,18 hectares."

"A agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do País, como importante fornecedora de alimentos para o mercado interno".

A estrutura produtiva da agricultura familiar, Censo Agropecuário do IBGE

O recém-divulgado Censo Agropecuário do IBGE estampa com amostragens, estatísticas e números que falam por si, o que a nossa Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf) afirma, com razão e orgulho, há muito tempo: somos as mãos que alimentam o Brasil.

Apesar da falta de estímulo, da escassez de crédito e da limitada assessoria técnica, são os agricultores familiares os responsáveis pela segurança alimentar e nutricional do povo brasileiro, servindo mais de 70% da população, apesar de contar com financiamento de R$ 15 bilhões, enquanto o agronegócio, multiplicador de mazelas, conta com polpudos R$ 93 bilhões.

Conforme o IBGE, enquanto os estabelecimentos rurais inferiores a 10 hectares ocupam menos de 2,7% da área total ocupada pelos estabelecimentos rurais, os com mais de mil hectares concentram mais de 43% da área total.

Vale lembrar que guiado unicamente pelos cifrões, o agronegócio prioriza produção de grãos para o mercado externo, sendo altamente contaminador do meio ambiente com seus pesticidas e irresponsavelmente poupador de mão de obra. Ainda assim, abocanha a maior parte dos investimentos públicos, sendo premiado pelo financiamento a monoculturas como soja - cujo plantio cresceu 88% entre 1996 e 2006 -, cana de açúcar ou eucalipto, numa completa inversão de qualquer lógica, atentando contra a justiça distributivista.

E do nosso suor que, faça chuva sol ou chuva, enfrentando de seca a inundação, se origina 87% da produção nacional de mandioca, 77% do feijão-preto, 84% do feijão-fradinho, caupi,de corda ou macáçar e 54% do feijão de cor, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite de vaca e 67,0% do leite de cabra. Não é à toa que a cultura com menor participação da agricultura familiar foi a da soja (16%), um dos principais produtos da pauta de exportação brasileira.

Auxiliando no combate ao êxodo rural e afirmando um novo modelo de desenvolvimento, auto-sustentável e baseado em laços de solidariedade e complementaridade, utilizando predominantemente mão-de-obra da própria família, em áreas inferiores a 40 hectares em áreas próximas a grandes densidades urbanas, ou até 100 em áreas de vocação rural, somos os responsáveis por 59% do plantel de suínos, 50% do plantel de aves e 30% dos bovinos.

Com a autoridade dos que fazem muito com pouco, combatendo as limitações, mas reconhecendo os avanços do último período, realizaremos nos próximos dias 28, 29 e 30, em Luziânia-Goiás, o II Congresso da Agricultura Familiar, com o objetivo de consolidar nossa organização, com unidade e mobilização, fortalecendo esta luta, que é de todos os brasileiros. Precisamos efetivar de uma vez por todas a reforma agrária, superar os problemas da legislação e os entraves jurídicos que emperram os processos que se arrastam por anos a fio até que uma área seja liberada.

O que os reacionários e neoliberais veem como entrave, demonstramos - e comprovamos nos resultados e pelo próprio censo - que é uma alternativa viável, palpável, concreta. Daí a importância de sensibilizarmos a sociedade e o governo para aumentar o volume de recursos ao setor, investindo na ampliação de geração de emprego e renda, particularmente no Norte e no Nordeste, onde ainda dependem de programas de transferência de renda.

A visão preconceituosa e machista em relação ao setor também é desmentida pelo censo: "as pessoas experientes com dez anos ou mais de direção nos trabalhos eram a maioria (62%) na condução da atividade produtiva da agricultura familiar", enquanto os estabelecimentos dirigidos por pessoas com menos de cinco anos de experiência representam apenas 20%". Há um outro aspecto que revela a importância de se dar maior atenção à questão feminina: "pouco mais de 600 mil estabelecimentos familiares (13,7%) eram dirigidos por mulheres, enquanto na agricultura não familiar esta participação não chegava a 7%".

Uma bandeira de luta bastante cara à Fetraf é o limite da propriedade da terra e da atualização dos índices de produtividade, já que perpetuando os atuais não se consegue mais desapropriar, mantendo o latifúndio improdutivo intocável, assim como suas mazelas econômicas, sociais e ambientais. E preciso por fim à irracional destruição da natureza, à transformação de florestas em pastagens, à devastação que, em somente uma década, cresceu 75,8% em Rondônia, torrando - literalmente - 1,9 milhão de hectares e outros 55,3% no Pará, com a queima de 3,2 milhões de hectares.

Finalmente, mas não menos importante, está a nossa mobilização contra a ameaça, terrível e devastadora, da estrangeirização, principalmente na Amazônia. E impossível pensar em um projeto de desenvolvimento sustentável sem soberania nacional, com a entrega do controle sobre parcelas substanciais do nosso território, onde se garante o acesso e uso de porções da nossas melhores terras e das nossas águas a estrangeiros.

Neste momento extremamente rico, afirmamos o papel do Estado como indutor do desenvolvimento sustentado e sustentável, centrado na valorização do trabalho, na distribuição de renda, na geração de emprego, no acesso à terra a quem nela mora e trabalha, no direito das gerações presentes e futuras a construírem, coletivamente, um novo tempo sem exploração, precarização nem concentração de riqueza. Que possamos contribuir, mais uma vez, para aproximar esta primavera dos povos, garantindo a todos, os frutos do seu trabalho.




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